A imaturidade não é
um produto natural mas simplesmente a triste consequência da acção do déspota. O
terror da Revolução Francesa não desautoriza o ideal de liberdade da nova
República,pelo contrário,é a prova do efeito depravador do antigo regime.
A sua confiança no progresso da Razão,influência
das Luzes,parece inabalável.Há,em Kant,uma crença generosa,----talvez ingénua,----no
progresso moral da humanidade,na capacidade do homem se determinar livremente na sua
acção. Confia no homem,enquanto pessoa moral,e se alguma reserva podemos hoje opor à
filosofia de Kant ela reside na aposta exclusiva que ela faz do indivíduo.Toda a
filosofia de Kant é concebida a partir dessa perspectiva estrita, nunca ultrapassando os
limites do sujeito individual.
Kant combate «o materialismo,o
ateísmo,a incredulidade dos livres pensadores», afirmando que só a Crítica os pode
cortar nas suas raízes. A Crítica era a condição indispensável para «abolir o saber
a fim de dar lugar à crença»;entenda-se: era preciso abolir o falso saber,fazer a
Crítica das exageradas pretensões da razão especulativa para resguardar a fé. Mantém
a convicção de que o Cristianismo é uma «Religião completa que pode ser apresentada a
todos os homens» e que está destinada a converter-se na religião geral do universo.
Interpreta,contudo,a religião Cristã
num sentido predominantemente moral.Considera que Deus,«como autor moral do mundo»,é a
raíz da lei moral,os deveres que dominam interiormente o homem são mandamentos de Deus.
Ora esta interpretação
essencialmente ética do Cristianismo é de origem Pietista.
Kant situa em planos distintos o que
pertence ao conhecimento científico e à crença.A via para Deus não é a da razão
teórica,esse foi um erro da metefísica dogmática,mas a do coração,a da moralidade,o
que teria sido um ensinamento fundamental do Cristianismo. Parece,portanto,que a
intenção de Kant teria sido a de perservar a crença.
A seguir uma síntese do pensamento
deste grande filósofo:
A experiência é a origem do
conhecimento,mas a sua validade só pode ser assegurada pela razão. |
Os elementos do conhecimento são
oriundos de duas fontes:
- a)Uns dependem do próprio objecto e são a matéria do conhecimento.
- b)Outros dependem do sujeito e constituem a forma do conhecimento.
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Conhecer consistirá então em unir
uma matéria com uma forma;aquela,porque depende do objecto,será variável de objecto
para objecto e só pode ser fornecida A POSTERIORI;esta,porque depende do sujeito,é
sempre a mesma e é A PRIORI.O espírito impõe as suas formas ao objecto e este tem de se
lhes conformar,porque de outro modo não o poderiamos conhecer. |
A Razão é a fonte das proposições
universais e necessárias,portanto,podemos concluir que a razão produz por si mesma
conhecimentos:os que são A PRIORI. |
É facto que as proposições da
matemática e da física são universais e necessárias,logo A PRIORI,e ninguem dúvida
que tais proposições sejam verdadeiro conhecimento. |
-O conhecimento científico
explica-se por juízos sintéticos A PRIORI. |
-Estes juizos são simultaneamente
universais,necessários e extensivos. |
-Não se podem fundamentar na
experiência,porque só a razão pode ser a fonte de proposições universais e
necessárias. |
-Conhecer consistirá numa síntese
entre a forma universal,própria do sujeito,e uma matéria fornecida pela experiência.
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O imperativo categórico diz-nos:
- -Faz somente aquilo que possa ser universalizado.
- -Considera o outro como pessoa porque ele é um fim em si mesmo e não um meio de que te
possas servir(isso seria reduzi-lo à condição de objecto).
- -A vontade de um ser racional é autónoma.
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A vontade humana nunca se liberta
totalmente das inclinações sensíveis.
-A vontade é sensível ou empírica enquanto é afectada pelos mobiles da
sensibilidade,nesta medida é dependente.
-A vontade é pura enquanto racional,criadora da própria lei moral,nesta medida é
independente ou autónoma.
-Se no homem há uma vontade pura,não existe todavia uma vontade santa.
-A santidade da vontade é um modelo ou tipo ideal de que o homem se deve aproximar
cada vez mais.
-Vontade:casualidade dos seres racionais.
-Liberdade=autonomia=submissão às leis da razão=moralidade.
-Vontade livre é a que age moralmente.
-Soberano bem=virtude+felicidade.
-Felicidade supõe um acordo entre a ordem da natureza,os desejos do homem e a lei
moral.
-O homem não é o autor da natureza,logo,quando obedece à lei moral,não pode
estabelecer o acordo entre os seus desejos e a natureza.
-A harmonia destes três elementos é necessária à realização do Soberano Bem.
-Então é preciso admitir uma causa supra-sensível que criou a natureza de tal modo
que tornasse possível esse acordo.
-O autor do mundo tem de ser simultaneamente uma inteligência e uma vontade=Deus.
-Deus tem de existir.
-Deus criou o mundo com o objectivo de realizar o Soberano Bem,e não a felicidade dos
homens;a felicidade destes depende da sua moralidade.
-A acção humana é a de uma pessoa moral e não a actividade de um sujeito
cognoscente.
-O homem,pela razão prática,realiza a sua dimensão de pessoa.
-Ser pessoa implica ser livre nas suas acções,ser autónomo.
-Imortalidade da alma e existência de Deus são postulados como uma exigência ética.
-O primado da razão prática revela que a filosofia Kantiana tem uma preocupação
essencialmente ético-religiosa.
-A ética possibilita uma nova metafísica e abre o caminho para a religião.
-Abolido o «saber» pela Crítica obtém-se um «lugar para a crença».
-O fundamental é que o homem se saiba auto-determinar=regular a sua acção de acordo
com a lei universal que ele próprio criou,libertando-se do determinismo natural.
-O cerne do filosofar incide assim sobre a auto-determinação do homem.A sua pergunta
fundamental é:Que é o homem? Um ser racional finito.
Kant pusera-se três questões:
- a)Que podemos conhecer?
- b)Que devemos fazer?
- c)Que nos é permitido esperar?
Podemos agora responder:
- a)Podemos conhecer a ordem dos fenómenos no espaço e no tempo.
- b)Devemos fazer o nosso dever.
- c)Podemos esperar o Soberano Bem.
Kant foi um homem de hábitos extremamente regulares e estabeleceu para si
próprio uma disciplina de vida que pareceu ter cumprido escrupulosamente,raramente
infringindo os seus hábitos. O testemunho dos alunos é unânime quanto aos seus dotes de
professor;os seus cursos eram seguidos com agrado e os ouvintes ficavam presos à
vivacidade e clareza da sua exposição. Viveu sempre modestamente e na fase inicial de
sua carreira a um nível próximo da miséria.
KARL R.
POPPER |
«Kant,filho de um
artesão,foi enterrado como um rei. No dia do funeral a vida na cidade parou. O caixão
foi seguido por milhares de pessoas,enquanto tocavam os sinos de todas as igrejas.Os
cronistas dizem que nunca se vira nada assim em Koenigsberg. É difícil de explicar essa
espantosa eclosão do sentimento popular... para os seus conterrâneos, Kant tinha-se
transformado num símbolo dos ideais da Revolução norte-americana e da Revolução
Francesa. Eles vinham portanto demonstrar a sua gratidão ao mestre dos direitos do
homem,da igualdade perante a lei,da cidadania mundial,da paz universal e, possívelmente,
o mais importante,da emancipação pelo conhecimento... não seria exagero dizer que o
tema da sua vida foi a luta pela liberdade espiritual». |
JOHANN G. HERDER |
«Tive a felicidade de conhecer um filósofo
que foi meu professor. Em plena força da idade tinha o bom humor de um adolescente e
julgo que o conservou até à idade mais avançada... Abundante de ideias,a palavra
brotava dos seus lábios; espírito e humor nunca lhe faltavam;e o seu ensino era um dos
assuntos mais interessantes.
Era com a mesma
curiosidade de espírito que examinava Leibniz,Wolff,... Hume,que seguia as leis da
natureza de Kepler,de Newton e dos físicos,que acolhia os escritos recentemente
aparecidos de Rousseau,... como qualquer descoberta da natureza que lhe era dado conhecer.
...este homem, de quem evoco o nome com extrema gratidão e o maior respeito,é EMMANUEL
KANT».
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