Primeiro, o cenário. Muita luz, branca. De sol ao meio dia. De um país da América central ou de África. As sierras ou as plantações. Não esquecer as personagens. O protagonista d' As Raízes do Céu aproxima-se de papel na mão. Dizem que o seu criador lhe deu essa capacidade rara nas pessoas, a determinação. Mas há quem diga que foi a imaginação que o salvou durante a guerra, preso num espaço exíguo. Conseguia transportar-se para essas planícies intermináveis onde manadas de elefantes se deslocam em liberdade. O determinado e imaginativo cruza-se agora com uma criatura louríssima como o sol africano e os movimentos, uma coreografia estonteante. Lamentou profundamente que não estivessem no mesmo filme. A vida é injusta, pensou. Não estamos no mesmo filme mas ainda me vai assinar a petição. Assinou, depois a mesma coreografia de bailarina. Descobriu mais tarde, e devido à sua capacidade imaginativa, tratar-se de uma das personagens dos Inadaptados. Não tinha nada o ar de inadaptada mas as aparências iludem mesmo os mais perspicazes. A mania de nos obrigar a trepar esta montanha com este calor, Outro protagonista ao sol do meio dia. Nem uma bebida fresca. Que falha na organização. Eh, viste passar o das petições? Encontramo-nos a toda a hora desde que me meteram naquela aventura horrorosa em África. Pelo menos aqui o calor é seco. Andar a trepar montanhas ou a puxar por um barco a cair aos bocados num rio africano, eis o preço da amizade. Ele gosta de nos ver transpirar. O calor não o afecta, antes pelo contrário. Parece um lagarto, os olhos de lagarto, o sangue frio. Pausa. Gargalhadas. Foi o que eu vi naquela noite, no México, que as iguanas se parecem com ele. Gargalhadas. E bebe mais do que eu, pelo menos aguenta-se melhor. Deve ser do sangue frio. O homem deve ser é uma espécie de mágico, um hipnotizador, porque eu não acredito que só pela amizade me apanhava nesta sierra. Aponta para o vale, Pelo menos o cônsul tem a sorte de passar o filme no bar, naquela esplanada à sombra. Sim, sim, mas farta-se de sofrer e isso é o pior, vermo-nos encurralados dentro da pele de um sofredor. Pelo menos eu tenho momentos divertidos e mesmo alguns em que se sente o verdadeiro calor humano. É preciso ter estrutura de sofredor para suportar o que ele suporta. Ou gostar de sofrer. Meus amigos, porque é que a verdade é tão cruel? Ambos se voltaram para a olhar. O protagonista de aventuras em África suspira, É a nossa amiga que nunca se queixa da vida, continua a descer aquele rio com o ar mais natural deste mundo. A amiga sorriu, depois dirigiu a voz solene para o noctívago em noites mexicanas, E o teu anjo protector? Não sou o único cruel nestes cenários, mas os piores por vezes são os melhores, cada um no seu papel, o meu anjo esfuma-se sempre, sempre, quando amanhece... mas tenho o mar e uma companhia, é mais do que suficiente para um elemento da espécie humana. Não sejas tão sarcástico, pode ser suficiente para a espécie humana como dizes, mas não é para uma personagem. Voltaram-se, era o homem das petições e dos elefantes. E a minha causa é esta, as nossas causas são sempre maiores do que nós, os nossos sonhos maiores do que nós... Elefantes, que grande causa, o tom sarcástico pertencia ao protagonista, os olhos semicerrados. O homem das grandes causas fixou-o, Está tudo interligado, o próprio cônsul entendeu perfeitamente, a mulher louríssima entendeu. Os elefantes são a última réstea de liberdade e dignidade da espécie humana. Não vou perder mais tempo a explicar tudo isso, passo a vida a fazê-lo. Assinem aqui e pronto.
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