O
Guerreiro da Luz
Em
vez de ignorar o conflito entre Luz e Sombra, sempre presente em nosso
interior, o guerreiro sábio deve
buscar
dentro de si a verdade e procurar conviver em paz consigo mesmo.-
A
vida é dual. Ela é feita de paz e combate, de descanso e
esforço, de unidade e variedade, harmonia e
conflito,
espirito e matéria. A todo momento há células nascendo,
combatendo e morrendo em nosso
organismo.
No nosso sangue, os leucócitos, ou glóbulos brancos, lutam
como bons soldados para defender
a
saúde do corpo. Um combate parecido ocorre no plano das emoções
e pensamentos. O grande desafio,
que
torna a vida mais estimulante, é poder viver isto tudo com sabedoria.-
A
mente humana é um campo de batalha onde a luta entre verdade e ilusão
desconhece o que é trégua. O
homem
sábio não ignora o conflito entre luz e sombra, mas aprende
a ganhar a batalha como um guerreiro
sábio
- antes que ela se trave abertamente. O inimigo do buscador da verdade
está sempre á espreita. Este
inimigo
nunca é outra pessoa, mas sim a ignorância ou falta de percepção
da verdade. A ignorância está
fundamentalmente
dentro de nós, e só secundariamente em outras pessoas.-
Quando
vê alguém agir insistentemente como ignorante e egoísta,
ainda assim o sábio pensa: "Se eu tivesse
mais
sabedoria, teria podido irradiar a Luz da verdade de modo que iluminasse
essa pessoa." Quem se
comporta
como nosso adversário não é um inimigo, mas alguém
que a vida está utilizando para acelerar
nossa
evolução pessoal. A vibração do ódio
e do rancor tem três maneiras de derrotar-nos: você pode
aderir
ao ódio, ter ódio do ódio, ou ter medo do ódio.
Vejamos isso melhor. Se alguém procurar você com
um
sentimento de ódio, há três modos errados de reagir.
Você pode aceitar o sentimento de rancor (contra
um
líder, uma empresa, uma terceira pessoa). Ou pode ter raiva do rancor
(porque sua natureza é
amorosa).
E pode ainda ter medo de tanto rancor (o medo tem a mesma substancia do
ódio).-
Com
qualquer uma dessas três reações, você perde
sua serenidade. Por estranho que pareça, para manter
a
paz interior é preciso ser um guerreiro. "A mente é como
uma espada", diz a tradição Zen. Ela deve estar
afiada
e ter um propósito único. O objetivo da espada da mente nunca
pode ser o de ferir alguém. O sábio
não
busca duelos pessoais, embora não tenha medo deles. O objetivo único
da espada do guerreiro é
rasgar
os véus da ilusão para que o espirito possa ver claramente
a verdade.-
Mas
só a mente pura pode ser uma espada afiada. Se pudéssemos
afiar as espadas das nossas mentes
antes
de saber usa-las eticamente, agiríamos com egoísmo para prejudicar
outras pessoas, atraindo
maldições
indescritíveis para nós próprios. O egoísta
é protegido pela sua própria dispersão mental. As
tentativas
de despertar poderes mentais sempre fracassam enquanto não há
pureza no coração, porque
para
ser um guerreiro vitorioso é preciso ter, antes, um coração
inofensivo. "Antes que a voz possa falar em
presença
dos Mestres, deve ter perdido a capacidade de ferir", ensina o clássico
livro "Luz no Caminho",
de
Mabel Collins (Ed. Pensamento,SP, pag.13).-
Para
o guerreiro da luz, existe apenas uma guerra sem tréguas entre duas
faixas vibratórias: a da paz e a do
conflito.
O objetivo estratégico do bom guerreiro é manter a paz interior
em todas as situações. As armas
que
ele usa são, entre outras, a sinceridade, a impecabilidade, a gratidão,
o perdão, a impessoalidade, o
silencio
interior, o desapego e a determinação impecável. As
armas do inimigo são a indulgencia, a vaidade,
a
preguiça, a teimosia, o apego, e outras freqüências vibratórias
que escravizam o ser humano ingênuo ás
causas
do sofrimento. Este é o grande combate da vida: a guerra entre a
luz e a sombra que se desenvolve
dentro
de cada ser.-
Do
ponto de vista dessa luta, não é mal enfrentar circunstâncias
difíceis na vida ou ter de conviver com
algumas
pessoas que alimentam má vontade em relação á
nós. Afinal, a transmutação alquímica consiste
em
transformar
chumbo em ouro. A flor do lótus nasce no pântano, e é
do limão azedo que se faz uma boa
limonada.
Jesus, no Novo Testamento, mandou oferecer a outra face aos nossos inimigos.
O significado do
conselho
é "não aderir á vibração do ódio".
A tradição esotérica afirma: "não há
amigos nem inimigos, mas
todos
são igualmente nossos instrutores". Carlos Castañeda ensinou
a técnica do tirano insignificante, pela
qual
o aprendiz adota como instrutor o inimigo que quer destrui-lo ou humilha-lo.-
"A
vaidade é o nosso maior inimigo", diz o mestre de Castañeda,
Don Juan, em "O Fogo Interior" (Carlos
Castañeda,
Ed. Record, RJ, cap.. 2). "O que nos enfraquece é nos sentirmos
ofendidos pelos feitos e
desfeitas
de nossos semelhantes. Nossa vaidade faz com que passemos a maior parte
das nossas vidas
ofendidos
com alguém.".-
É
esta preocupação egoísta com nós mesmos que
nos faz perder energia. Esta é a fonte de nossa dispersão
mental
e emocional. As dificuldades materiais e o convívio com pessoas
difíceis são mecanismos pelos quais
podemos
observar nossa autopreocupaçao e nossa vaidade. Nesta luta mortal
entre a paz e o rancor, o
guerreiro
se fortalece através dos seus cinco atributos básicos: 1)
Autocontrole; 2) Disciplina; 3) Paciência;
4)
Capacidade de ver oportunidades; e 5) Vontade. Esses cinco elementos interagem
entre si. "O sexto
elemento,
talvez o mais importante de todos, pertence ao mundo exterior e é
chamado de pequeno tirano",
escreveu
Castañeda.-
O
guerreiro é capaz de um grau cada vez mais alto de disciplina á
medida que se liberta das descrições
verbais
do mundo e observa a vida por si mesmo. Percebendo como se dá o
fluxo das energias, ele evita o
desperdício
da sua força vital e a disciplina passa, então, a ser algo
natural em sua vida. O pequeno tirano,
por
sua vez, é alguém que está em uma posição
de poder privilegiada em relação ao guerreiro e pode
hostiliza-lo
de várias formas, impunemente. Uma situação objetiva
muito difícil também pode funcionar
como
pequeno tirano.-
Esse
desafio nos força a fazer uso de todas as nossas forças com
o máximo de calma, determinação,
paciência,
atenção e coragem. Para o guerreiro, o perigo está
no excesso de conforto. Uma situação
agradável
em que todos nos tratam bem pode facilmente estimular a vaidade, a preguiça,
o orgulho e outros
inimigos
realmente perigosos.-
A
visão do caminho espiritual como um combate está presente
nas principais tradições religiosas. Sua má
compreensão
e interpretação literal é que dá lugar ás
chamadas "guerras santas", em que fanáticos buscam
matar
pessoas ou destruir povos de outras religiões a fim de agradar a
Deus. Em escala menor, essa visão
equivocada
do combate espiritual leva a lutas por poder dentro de organizações
religiosas ou entre
diferentes
movimentos cujo objetivo é semelhante. Trata-se, então, de
um conflito neurótico em que cada
um
projeta sua própria sombra sobre os outros. O filosofo Sam Keen
escreveu que as pessoas criam
inimigos
lançando sobre seus adversários a avidez, o ódio e
a negligencia que não ousam assumir como
seus.
E descreveu como é usado um pensamento falso, distorcido, para justificar
conflitos políticos e até
guerras:
"Nós
somos inocente; eles são culpados. Nós dizemos a verdade,
informamos; eles mentem usam
propaganda.
Nós apenas nos defendemos; eles são agressores. Nós
temos um Ministério da Defesa; eles
têm
um Ministério da Guerra. Nossos mísseis são para evitar
uma guerra; as armas deles são para atacar
primeiro."
("O Criador de Inimigos", texto de Sam Keer incluído em "Ao Encontro
da Sombra", coletânea
organizada
por C. Zweig e J. Abrams, Ed. Cultrix, SP, cap. 41, pags.219 e seguintes).-
Não
há problema algum em ver a busca espiritual como uma guerra, e o
espiritualista como um guerreiro.
As
grandes Escrituras adotam esta imagem: "Bendito seja Iahweh, o meu rochedo,
que treina minhas mãos
para
a batalha e meus dedos para a guerra", diz o Salmo 144. Do ponto de vista
esotérico, a imagem da
guerra
simboliza o conflito entre as virtudes elevadas do eu imortal e a vibração
densa das emoções e
desejos
inferiores. No Bhagavad Gita, uma das principais escrituras hindus, o discípulo
Arjuna fica
desanimado
ao ver que se prepara uma batalha mortal entre ramos diferentes da sua
família e de seus povo.
E
o Mestre Krishna, então, pergunta: "De onde vem, Arjuna, esta fraqueza
indigna de um homem?" E faz o
elogio
da ação decidida e do cumprimento do dever.-
Os
inimigos de Arjuna, no entanto, são seus próprios sentimentos
de apego, acomodação, preguiça,
orgulho,
medo e cobiça: estes são os parentes e amigos que terá
de matar. "Os sentidos te transmitem o
sentimento
do calor e do frio, do prazer e da dor", ensina Krishna a seu discípulo.
"Mas estas mudanças
vão
e vem, porque pertencem ao temporário, ao inpermanente, ao inconstante.
Suporta-as com equilíbrio,
coragem
e paciência, oh, príncipe! O homem que não se deixa
mais atormentar por estas coisas, e que se
conserva
firme e inabalável no meio do prazer e da dor, mas possui a verdadeira
igualdade de animo, esse,
sim,
entrou no caminho da imortalidade." (Bhagavad Gita, trad.. de F. Valdomiro
Lorenz, Ed. Pensamento,
SP,
cap.. 2).-
Todo
conflito externo é basicamente a continuação por outros
meios de um conflito interno. Quando
conseguimos
viver em paz com nós mesmos, conseguimos viver em paz com os outros.
Mesmo que haja
dificuldades,
não perdemos a tranqüilidade. Quando sentimos uma vontade de
agredir ou prejudicar
alguém,
devemos fazer um exame de consciência. Como está funcionando
o jogo de projeção de sombras?
Quem
está jogando sobre o outro seu lado sombrio? Há três
coisas que o guerreiro não deve fazer: 1)
Projetar
sua sombra sobre os outros; 2) Aceitar passivamente que os outros lancem
suas sombras sobre
ele;
3) Criar um processo longo de disputa, rancor e agressividade, quando outros
tentam projetar sombras
sobre
ele. Ser impecável implica evitar isso tudo, algo que é misteriosamente
possível.-
A
questão de como reagir quando alguém lança sobre nós
as energias negativas da inveja, da raiva ou do
rancor
é de grande importância para quem pratica a arte de viver
corretamente. Visto do ponto de vista
energético,
o processo é mais ou menos o seguinte: cada vez que alguém
ergue seu nível de consciência e
adota
uma vibração mais fraterna, abandona necessariamente sua
couraça protetora e se torna mais
sensível,
tanto para a maravilha da verdade espiritual quanto para o horror do egoísmo
humano. A vibração
sincera,
sem couraça, pode atrair pequenos tiranos que tentarão dominar
o buscador da verdade, ou pelo
menos
arrancar dele uma resposta egoísta e agressiva, para confirmar outra
vez as próprias descrições do
mundo,
segundo as quais "todas as pessoas são egoístas".-
Todo
aquele que quiser viver fraternalmente deve passar sem responder com ódio
por essa pequena
crucificação.
Mas o que é que vai para a Cruz? Apenas a própria ingenuidade
infantil. A verdadeira
consciência
do guerreiro passa, isso sim, por uma ressurreição, alcançando
o misterioso poder da
sabedoria.
O guerreiro não perde tempo com invejosos porque sabe que eles são
apenas mosquitos cujas
picadas
são úteis para seu treinamento. Se as cargas negativas que
o guerreiro receber ao longo do
caminho
fizerem com que ele se distraia da sua meta, é porque ele não
está maduro para avançar alem de
determinado
ponto. Terá de parar e fazer uma reavaliação. Mas,
por outro lado, ele deve evitar o papel de
"bode
expiatório". Para isso deve ser impessoal, impecável e implacável
no cumprimento de suas metas de
curto
prazo. Deve ser insondável, imprevisível, e ao mesmo tempo
não pode causar mal a ninguém. Mais
importante
que tudo, deve buscar "o poder que o faz parecer nada aos olhos dos outros",
segundo a
sabedoria
esotérica. Não deve demonstrar o que sabe. Deve evitar toda
mostra de orgulho, avançando
anonimamente,
sem buscar reconhecimento nem contar vantagem. Os conflitos por poder -
sutis ou não -
se
dão em função de algum jogo de aparências em
que o narcisismo está presente. O guerreiro deve fugir
dos
jogos de aparência, porque ele sabe que a imagem da realidade não
é a realidade, e a vida é
demasiado
curta para que se perca tempo com estratégias de faz-de-conta.-
O
guerreiro deve irradiar paz e sabedoria, vencer sua própria sombra
e driblar a ignorância dos outros. Os
três
processos são simultâneos, e requerem a sensibilidade de um
estrategista. O clássico livro chinês "A
arte
da Guerra", de Sun Tzu, ensina uma sabedoria estratégica que é
inseparável da arte de viver
corretamente.
Um dos textos complementares á Arte da Guerra afirma:
"Quando
o dever prevalece sobre o desejo, isso resulta em florescimento; quando
o desejo prevalece sobre
o
dever, isto resulta em morrer. Quando a seriedade prevalece sobre a preguiça,
isto resulta em boa sorte.
Quando
a preguiça prevalece sobre a seriedade, isto resulta em destruição."
(A arte da Guerra - Os
Documentos
Perdidos, de Sun Tzu II, comentado por Thomas Cleary, Ed. Record, RJ, pags.
154-155).-
O
Yin Convergence Classic, texto taoísta considerado anterior ao próprio
Tao Te King, mostra que a
interiorização,
a meditação e o autoconhecimento são a melhor maneira
de evitar conflitos interpessoais e
até
mesmo, no plano social, a guerra:
"Faça
introspeção três vezes por dia e durante a noite. É
dez mil vezes melhor do que mobilizar o
exercito.".-
Quando
vencemos a auto-indulgencia, não deixamos para amanhã o que
pode ser feito hoje, mas
preferimos
prevenir a remediar. Para vencer antes da batalha, é preciso atenção:
"Planejar para a
dificuldade
enquanto ela ainda é fácil, fazer o que é grande enquanto
ele ainda é pequeno, recompensar o
acerto
em vez de esperar o erro e precisar puni-lo, isto é ter sutileza
no uso das nossas forças", ensinou
Zhuge
Liang no século III da nossa Era. E acrescentou: "A arte da vitoria
certa, o modo de harmonizar-se
com
as mudanças, é uma questão de aproveitar as oportunidades.
E de todos os caminhos para perceber a
oportunidade,
nenhum é melhor que o inesperado." Com isso, Zhuge Liang afirma
que o caminho da vitoria
requer
que estejamos livres do passado e de tudo o que pensamos conhecer, e abertos
para trilhar
caminhos
novos e conviver com o desconhecido. ( A Arte da Guerra, Comentários
de Zhuge Liang e Liu Ji
sobre
o clássico de Sun Tzu, editado por Thomas Cleary, Ed. Gente, SP,
pags. 38 e 39).-
Estar
livre do que já passou não significa ignora-lo. Ao contrario.
Conhecendo bem o passado, o guerreiro
não
tem necessidade de repeti-lo. Cada erro corrigido e cada sofrimento compreendido
são um passo da
caminhada
do guerreiro. Cada defeito eliminado se transforma em virtude. Até
que o guerreiro seja feito de
luz
e as sombras atiradas contra ele não encontrem mais eco algum em
sua natureza interior. O guerreiro
terá,
então, vencido a longa batalha.-
Damien,
o Rescator.