Os sete pecados capitais e a política - (A preguiça)
Maria Luiza Quaresma Tonelli (Professora de Filosofia)
Ao contrário do que muitos pensam, os sete pecados capitais não estão
relacionados na Bíblia. Na verdade, o que eles representam é uma interpretação a
partir das Escrituras, feita pelos cristãos na Idade Média. Os sete pecados
capitais que passam, a partir de então, a fazer parte da doutrina cristã, são:
preguiça, gula, avareza, vaidade, ira, inveja e luxúria. Não pretendo aqui,
logicamente, discutir o sentido de cada um desses pecados à luz da religião.
Tentarei abordar, à luz da Ética como reflexão do "modo de ser" do homem em
sociedade, o pecado capital da preguiça, fazendo uma analogia deste pecado com a
conduta dos governados. Gostaria de lembrar os significados das palavras
religião e pecado. Religião significa religar, ligar de novo. Pecado, por sua
vez, vem do latim pecare, que significa errar o alvo, estar desorientado. A
preguiça é, de todos os pecados, aquele que mais temos facilidade em assumir.
Manifesta-se tanto física como psicologicamente. A pior de todas é a preguiça de
pensar. No governado ela se manifesta favorecendo o governante, que também é
preguiçoso quando se omite, causando danos talvez irreparáveis à população. O
governado preguiçoso é um pecador porque sua indolência mental propicia a
continuidade do status quo de uma sociedade dividida, onde poucos têm muito e
muitos têm pouco ou quase nada. É a preguiça de pensar a grande responsável pela
falta de noção de que cidadania é a qualidade de ser cidadão, que por sua vez
significa indivíduo dotado de direitos políticos e sociais. É a preguiça de
cabeça do governado que nos coloca no mesmo barco da injustiça social, que é a
grande geradora das piores mazelas das quais dificilmente podemos nos curar,
como a violência. Por preguiça de pensar acreditamos, ingênua e facilmente, por
exemplo, que um Sistema Nacional de Segurança por si só vá resolver essa
questão. É a preguiça que torna o governado desinteressado pela política do seu
município, do seu Estado e do seu país. É ela que faz dos governados sujeitos
cognitivamente embotados, esperando tudo na boquinha. É ela que colabora para
que governantes se apresentem como salvadores da pátria amada, mãe gentil. É a
preguiça de pensar que faz do governado um irresponsável, na medida em que não
se preocupa com causas de extrema relevância, porque não tem alcance para
avaliar suas conseqüências, como por exemplo, o projeto de privatização das
companhias de água do país, a serem, certamente, vendidas para empresas
estrangeiras. É a preguiça mental que impede que o governado pelo menos se
informe sobre o fato de que já há países importando água, como Israel. Ela nos
impede de pensar que as gerações futuras deste país poderão ter que importar a
água que hoje nosso maior bem e que, ironicamente, será o maior problema do
próximo século. É ela, ainda, que impede o governado de parar para pensar que o
dinheiro das privatizações deste país, tal como a água, escorre pelo ralo. É a
preguiça de cabeça que impede que o governado proteste contra problemas menos
complexos, como por exemplo, o péssimo estado das calçadas de nossas cidades,
representando um total desrespeito ao pedestre sadio e jovem, sem falar no idoso
e no deficiente. Problema de tão fácil resolução. É a preguiça a mãe de todos os
pecados. É ela que nos aprisiona no marasmo que inexoravelmente submete qualquer
um à lábia recheada de hipocrisia do político inescrupuloso que, ao chafurdar na
lama da corrupção, emporcalha com os respingos de sua falta de vergonha a
reputação de pessoas dignas e confiáveis que injustamente generalizamos como
farinha do mesmo saco. Há, porém, uma alternativa para os preguiçosos de cabeça:
levantar da rede do comodismo, fruto do egoísmo social. Lavar o rosto com uma
boa ducha de água fria para tirar a remela da inconsciência política que impede
a visão da realidade como ela é. Tudo isso dá trabalho, porque exige esforço. É
mais fácil viver na fantasia, no mundo do tanto faz, no desinteresse pelas
coisas e pelas pessoas. O preguiçoso de cabeça não tem alcance para saber que a
falta de educação de qualidade para todos é a senha necessária para nos colocar
no bonde na contra-mão da história. É ele que não tem alcance para julgar a
conveniência da manutenção de uma educação de fachada, que mantém alienada a
maioria da população; alienação necessária e suficiente para manter no poder,
indefinidamente, os tipos execráveis de governantes que infelizmente também
decidem a vida dos que têm consciência política, cujo voto acaba por não fazer a
mínima diferença, pelo simples fato de significar a minoria. Se pecado significa
errar o alvo, agir desorientadamente, é bom que deixemos a preguiça de lado,
pois o pior castigo não é pagar pela omissão alheia, mas castigar a própria
consciência com a alienação, o vício preferido do demônio da má situação.
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