Principal

Ednilsom Montanhole

Educar é ensinar o encanto da possibilidade

Educar é ensinar o encanto da possibilidade

Gilberto Dimenstein

Esse ensaio sobre minha vivência em Nova York está inacabado e, imagino, vai permanecer assim por longo tempo.

Vou colando, reescrevendo e repensando artigos que publico, a partir do meu aprendizado sobre o ato de ensinar e aprender numa sociedade de informação, vivendo na difusa fronteira entre o jornalismo e a educação.

Educar é, em essência, ensinar o encanto pela possibilidade. Logo, educação é a arte de ensinar o exercício da liberdade. Só é livre quem é capaz de optar entre as diferentes possibilidades.

O professor é, então, agente da liberdade, administrador da curiosidade.

Sentimos medo, de fato, quando não temos alternativa. A morte é o maior dos medos porque é a ausência total de alternativa.

Educar, no Brasil, é transmitir os mais elementares direitos e lidar com o impacto das novas tecnologias.

Temos o medo da internet, da máquina que corta empregos. E de andarmos sozinhos na ruas inseguras. Ainda vemos o trabalho escravo ou infantil, mas já estamos discutindo como criar o teletrabalho.

Chegamos ao final do século com o medo de andar na rua com a janela do carro aberta, mas exportando aviões.

Resolvi compartilhar esse ensaio inacabado justamente no dia do professor - o agente da liberdade.

Esse ensaio vai incorporando as heranças; gente que vou conhecendo pelo mundo que me ensina a tecnologia da paixão pelo saber.

Um paixão que não encontro apenas na academia ou redações. Mas nas favelas e até nas flores de um museu em Nova York.

Flores do museu

Uma das principais atrações culturais do planeta é o Metropolitan, em Nova York, com muitas das obras mais raras produzidas desde os primórdios da civilização.

No saguão de entrada do museu há um detalhe que deve passar despercebido para a maioria dos visitantes. É algo sem valor histórico. Na verdade, descartável. Nada, porém, me chamou mais a atenção.

São arranjos de flores naturais, sempre exuberantes, independente da estação. Aqueles arranjos são possíveis por causa de uma herança.

Uma mulher deixou sua herança para que o museu, durante toda sua existência, trocasse semanalmente as flores.

Pela eternidade, aquele minúsculo espaço onde estão os vasos, freqüentado por centenas de milhares de visitantes por ano, vai ter um toque a mais de requinte porque um ser humano decidiu fazer a diferença _e vai sobreviver em cada uma daquelas flores.

Deixei esse caso para abrir a última coluna América, publicada pela Folha de S. Paulo enquanto morava em Nova York. É a segunda morte.

Começou em Brasília há 11 anos na página 2, depois se mudou para Nova York, publicada em Mundo, e está hoje em São Paulo, no caderno São Paulo.

Cada morte reflete um tipo de aprendizado _e uma herança. Da vivência do caos urbano em São Paulo, onde morei até 1983, passando pela vivência com o poder em Brasília e a investigação sobre as diferentes formas de violência contra a infância, até a engenhosidade comunitária de Nova York, simbolizada pelas flores do Metropolitan.

A partir dessa multiplicidade de ângulos e vivências, estou convencido de que é preciso fechar os olhos aos mais elementares números para desconhecer que o Brasil melhorou _e melhorou muito. Vou repetir: nunca estivemos tão bem.

Mas é preciso fechar os olhos para os mais elementares números para ver que, se nunca estivemos tão bem, ainda continuamos péssimos. Estamos longe da mentalidade que faz brotar as flores do Metropolitan.

Não temos o sentido de urgência. Estamos mais para Nova Déli do que para Nova York.

Publicada desde setembro de 1995, a coluna América se propôs a fazer também um jornalismo de soluções. Saí do Brasil enfastiado com o jornalismo irritadiço, à beira de um ataque de nervos, do qual não fui exceção.

Meter pau e ser crítico não são a mesma coisa. Esculhambar por esculhambar é a doença infantil do jornalismo. Assim como elogiar não é igual a adular.

Quis retratar a inventividade charmosa de pessoas e projetos, por menores que fossem, que fazem a diferença, colhida em minhas viagens.

Mostrei como o sul da Índia, apesar de toda pobreza, atingia níveis baixos de mortalidade infantil. Ex-matadores da Colômbia organizados em cooperativa para sair do crime organizado e arrumar empregos decentes. Os projetos na Suécia para valorizar a família, as soluções urbanas na Turquia que conseguiram melhorar o caótico trânsito de Istambul.

Tentei documentar ao máximo as experiências contra o crime em Nova York, o rejuvenescimento dos bairros deteriorados, os milagres educacionais, os novos desafios e conquistas dos trabalhadores.

A coluna se propôs a propagar a necessidade urgente da alfabetização digital para que pudéssemos tirar proveito ao máximo das novas tecnologias. Quando vim morar aqui, a Internet já estava popularizada, permitindo que eu pudesse servir de ponte e oferecer, sem nenhum custo, textos complementares e mais aprofundados pela rede.

Foi uma lição ver como a elite econômica americana doa e participa. O que me faz olhar com mais desconsideração a indigência da maioria dos nossos empresários.

Ainda mais quando os vejo aqui, em Nova York: contratam limusines para andar três quarteirões, compram mais do que observam, vão a restaurantes mais pelo preço do que pela comida ou usam celular numa cidade que tem telefone a cada esquina _nem se dão conta do ridículo. Imaginam-se chiques, mas se portam como deslumbrados.

Sempre que pude, detalhei o maior envolvimento comunitário no Brasil, movido por empresários lúcidos. Há uma notável coleção de inovações nas cidades brasileiras, pouco conhecidas porque concentramos atenção demasiada em Brasília.

A linha que costura esses fatos é a convicção de que o Brasil depende da parceria criativa entre comunidade e governo. A prioridade das prioridades é a educação para a cidadania, enraizando a noção de direitos e deveres.

O princípio básico é de que público não é oficial. Por isso, levei de Nova York a sensação de que as descartáveis flores do Metropolitan valeram para mim mais do que as raras e eternas antigüidades.

Também vi várias "flores" nos lugares mais inesperados _ "flores" capazes de

salvar até bebês que morrem dormindo.

Morte súbita

Morrer dormindo é a segunda principal causa de morte dos bebês americanos _um dos primeiros pavores dos pais de recém-nascidos.

Cena comum, principalmente entre as mães, é levantar de madrugada para ver se os bebês estão respirando. Até o início da década de 90 nos EUA, essa curiosidade se revelou desesperadora numa média de 16 vezes por dia.

É o número de bebês que adormeceram saudáveis. Morreram sem manifestar qualquer sinal de dor. São as vítimas do que se chama "Síndrome da Morte Súbita".

Para enfrentar essa tragédia silenciosa, os americanos lançaram, em 1994, campanha nacional para educar os pais, numa aliança com os meios de comunicação.

Além de estimular o aleitamento materno (o leite protege a criança), ensinaram como não comprometer a respiração dos bebês, com dicas simples.

Primeira dica já começa no útero. A mãe não pode fumar enquanto estiver grávida. Segunda: nunca contaminar com fumaça o quarto da criança.

Vital é uma cautela que parece um detalhe: os bebês precisam ser deitados de barriga para cima.

Um relatório do governo americano mostrou na semana passada que o esforço educativo está compensando.

Em apenas dois anos, a quantidade de vítimas da "Síndrome da Morte Súbita" caiu 30%; nesse ritmo, no próximo ano, a baixa vai ser de 50%.

As estatísticas de saúde dos americanos, lançadas semana passada, são animadoras nas mais variadas direções.

Aumentou a expectativa de vida. É, hoje, de 76 anos; no começo do século, 40 anos.

Por trás desse aumento, estão a queda de vários tipos de mortes, a começar dos bebês que se despedem dormindo.

Diminuíram os registros de Aids, suicídios, homicídios e câncer. Pesa a descoberta de novos medicamentos e tratamentos. Mas, de fato, é o trabalho de educadores _gente que se preocupa em compartilhar informações, numa ofensiva de prevenção.

As pessoas costumam imaginar que educador é igual a professor. Engano. Educador é o professor que vê uma sala de aula na casa, rua, bairro, cidade, país e mesmo o mundo.

Esse engano é responsável, em parte, pela crise social brasileira _e coloca para nós, da imprensa, um desafio.

Vive-se mais porque as pessoas fumam menos. Fazem sexo mais seguro ou alimentam-se melhor. Grávidas consultam mais o médico, adolescentes têm menos bebês, motoristas são mais cautelosos no trânsito, escolas envolvem-se no controle da violência, aprendem a detectar doenças na fase inicial, inclusive distúrbios mentais como a depressão.

É uma série de cautelas bombardeadas diariamente pela própria sociedade _e nem tanto pelo governo.

As mensagens são marteladas nas rádios, jornais, televisões, escolas, centros de saúde, hospitais, igrejas, metrôs e outdoors. Difícil andar em qualquer lugar, ver televisão, sem alguma lição.

Descobri morando em Nova York _e é mais uma lição na minha bagagem de volta ao Brasil_ que a sociedade brasileira, apesar de avanços e notáveis campanhas episódicas, ainda não sabe usar os meios de comunicação.

Para o nível de indigência, saúde, educação e direitos humanos, aliado à miséria e crônica ineficiência dos governos na área social, deveríamos ter muito mais esforço educacional _especialmente as TVs, que chegam às camadas mais desinformadas.

A arrancada social do Brasil vai depender menos de como o governo vê o Brasil. E mais sobre como o Brasil vê o governo.

A carência de campanhas educativas, patrocinadas pela própria sociedade, mostra como ainda estamos presos num visão velha do Estado.

Educar é o jeito mais nobre de viver. Não faço injustiça com os médicos.

Educar é atividade mais nobre do que medicina porque é o jeito de transmitir o valor da liberdade, ensinando o direito de ter direitos _e de optar. Só opta quem tem informação.

Mas também porque salva vidas.

Qualquer um _do motorista de táxi, ao plantonista de pronto-socorro, chegando ao presidente da República, pode ser um educador. O que dá a chance a qualquer um de viver nobremente.

A nobreza de ensinar está em qualquer lugar. Raras vezes me emocionei

tanto com essa nobreza como no Harlem.

Lição de Dante

Por causa da minha dificuldade em dizer não, fui parar na rua 136, no Harlem, região de Nova York povoada por gangues, traficantes de drogas e desempregados. Naquele dia, literalmente, redescobri o inferno de Dante.

Um tanto a contragosto, aceitei o convite de última hora de amigos do Instituto de Tecnologias do Aprendizado (Institute for Learning Technologies), da Universidade de Columbia, para ver apresentação de adolescentes sobre a Divina Comédia, de Dante Alighieri.

Pesquisadores daquele instituto (http://www.ilt.columbia.edu/) vinham trabalhando o poeta florentino com alunos de uma escola do Harlem, chamada Frederick Douglas Academy, onde o professor é tão importante quanto o policial encarregado de evitar a violência.

A caminho da apresentação, dia 4 de junho passado, vislumbrei-me, sentado, disfarçando o mal-estar por assistir a um interminável massacre poético. Dante para crianças pobres no Harlem? Seria como ver adolescentes de escolas públicas brasileiras, deterioriadas, encenando Camões.

Naquele improvável cenário, onde adolescentes desfilam com rádios enormes ouvindo rap em alto volume, bonés ao avesso, falando um inglês incompreensível, lixo nas esquinas, prédios abandonados, muros grafitados, redescobri o encanto do poeta italiano. E experimentei uma das cenas mais marcantes dos 20 anos em que tenho trabalhado com transmissão de informação.

Aquele dia reafirmou minha crença na necessidade de educarmos nossas crianças para um novo mundo que já existe, onde as descobertas digitais definem os limites do saber e do aprender. O debate sobre o papel e a influência das novas tecnologias percorre as salas dos professores, redações de jornais, departamentos de recursos humanos das empresas, chegando aos formuladores de políticas públicas, obrigados a pensar as chances de sobrevivência das nações no futuro.

Repensando o inferno

Quando sentei no pequeno auditório da escola do Harlem, logo percebi que veria algo diferente. Estava lá o professor Robbie McClintock, chefe do Instituto de Tecnologias do Aprendizado, considerado hoje um dos mais importantes pensadores do uso da Internet na educação.

Ele traz em seu currículo, por exemplo, o fato de ter concebido os programas tecnológicos da Dalton, uma escola de elite em Nova York readaptada integralmente a partir da informática. Considerada o melhor modelo de uso do computador em sala de aula, a Dalton atrai romarias de educadores, boquiabertos. "Nunva vi nada parecido em minha vida", disse Mauro Aguiar, diretor do Colégio Bandeirantes, quando visitou a Dalton este ano, numa reação comum a educadores mesmo das nações mais ricas e informatizadas.

Um grupo de cinco adolescentes se perfilou. Cada um deles escolheu um trecho da Divina Comédia, dissecando a jornada do ser humano à procura da purificação para se libertar do pecado. Eles explicaram que visitaríamos as camadas do céu, do purgatório e do inferno em uma homepage, utilizando os recursos multimídia da Internet.

Os jovens aprenderam a desenhar a homepage, criaram ilustrações em movimento e, mais importante, aprenderam a pesquisar em bancos de dados eletrônicos. Para cada segmento do céu, purgatório e inferno, encaixaram um personagem da realidade americana, explicando os motivos da escolha. Passearam pela obra e, ao mesmo tempo, discutiram suas próprias experiências, aprofundando o debate sobre as estruturas de poder na sociedade norte-americana. Luther King, um frequentador do Harlem, teve sua biografia detalhada antes de entrar no paraíso; assim como um de seus inspiradores no movimento de não-violência, o indiano Mahatma Gandhi.

Os alunos fizeram uma incursão sobre as camadas do poder em sua sociedade, assim como Dante fez com a sociedade de seu tempo, dissecando as principais personagens, idéias, virtudes e pecados. Algumas figuras eram conhecidas apenas no Harlem, ligadas ao movimento de recuperação do deteriorado bairro ou à emancipação dos negros.

Depois da apresentação, impressionado, perguntei aos coordenadores daquele projeto pedagógico como conseguiram entusiasmar adolescentes pobres pela Divida Comédia, uma das obras mais complexas da literatura?

Sedução da rebeldia

O que poderia haver de comum entre jovens pobres do Harlem no final do século XX e um poeta italiano do século XIII? A equipe de McClintock mostrou que Dante, como eles, também era rebelde, incompreendido, pressionado. Por sua rebeldia, foi punido. Condenado à pena de morte por suas posições em Florença, teve de viver no exílio, marginalizado.

"Fizemos com que cada um deles se sentisse um pouco Dante", explica Jennifer Hogan, coordenadora do projeto na escola.

A própria Divida Comédia se encaixa com o Harlem, onde, hoje, vários grupos tentam encontrar ordem no caos, numa espécie de "purificação do pecado". Por causa desses movimentos, os primeiros sinais positivos já são visíveis no bairro: casas de espetáculos reabrem, explorando a mística do jazz, empregos são gerados. Projetos são desenvolvidos em escolas, transformadas em centros comunitários.

Esses primeiros sinais, inimagináveis até pouco tempo, compõem o que hoje se chama de "a Renascença do Harlem"- uma expressão que remonta a Florença, mas também ao período em que o bairro era um fértil cenário da criatividade intelectual negra, de onde o jazz de espalhou para o mundo.

O DigitalDante, do qual a apresentação da escola da rua 136 faz parte, é apenas um dos projetos do Instituto de Tecnologias do Aprendizado, ligado ao Teachers College, da Universidade de Columbia.

A boa novidade para os alunos e professores brasileiros é que, graças às novas tecnologias, a equipe de McClintock está colocando toda a obra de Dante na Internet, transformando-a em instrumento pedagógico para ser consultado por estudantes de todo o planeta. Através da página, um garoto de Roma troca idéias com alguém de Nova York que, por sua vez, já discutiu com um estudante de Hong Kong sobre o amor de Dante por Beatriz. Se você quiser experimentar, é só clicar a página http://www.ilt.columbia.edu/projects/dante/

Educação ambulante

A poucos metros da rua 136, está a escola Mott Hall, também na esfera de influência da Faculdade de Educação da Universidade de Columbia, o Teachers College. A imensa maioria dos alunos ( 96%) está na linha da pobreza.

A escola decidiu fazer uma aposta aparentemente extravagante: distribuir um laptop para cada aluno. Os críticos da idéia ponderaram que, em pouco tempo, não haveria mais um único laptop. Seriam roubados, danificados ou vendidos para compra de drogas. Os otimistas defendiam que os alunos levariam os computadores para casa, fariam suas lições e, de manhã, trariam as máquinas para a escola - um trajeto não exatamente pacífico naquela região.

Apesar das advertências, a direção da escola apostou na idéia, imaginando que os alunos se sentiriam estimulados, estariam conectados à Internet, teriam condições de trocar idéias on-line com seus professores e amigos, descobririam homepages.

A Microsoft, de Bill Gates, ajudou a treinar os professores e deu os programas educativos; a Toshiba barateou o preço da máquina, facilitando o pagamento; a escola pagou um pedaço da mensalidade e os pais dos alunos pagaram o resto. Os pais, aliás, também foram envolvidos no projeto e aprenderam a manejar o computador.

Logo os professores perceberam o entusiasmo dos alunos e dos pais. No final de junho, a contabilidade sobre as perdas de computadores era zero. A comunidade de Mott Hall percebeu que aquele era um instrumento para seu progresso pessoal.

Este ano, mais mil crianças do Harlem vão ter seu próprio laptop, num processo que se espalha por bairros pobres do país, solidificando a idéia de que o analfabeto do futuro é o sem-computador do presente.

Por que escolhi o Harlem para abrir este artigo? Para mostrar que a alfabetização digital avança e se universaliza em locais que dariam medo a brasileiros de classe média. Não estamos, portanto, falando das zonas ricas do país, com suas escolas repletas de recursos e pais educados.

Estamos nós, brasileiros, conseguindo empatar pelo menos com o Harlem?

Internet para todos

Um dos mais ambiciosos ítens da agenda americana é que, até o final do século, eles querem ter todas as salas de aulas dos Estados Unidos conectadas à Internet; são feitos mutirões de jovens e adultos para instalar a fiação necessária aos computadores.

Esse tipo de experiência indica como a sofisticação dos meios de comunicação vai, aos poucos, vazando do topo para a base.

É apenas a consequência de uma evolução histórica, cujo primeiro grande momento está na prensa móvel de Gutenberg, lançada em 1456. Antes desta invenção, ninguém poderia sonhar com a possibilidade de ter uma biblioteca particular.

A partir de então, começou a ser moldada a escola como a conhecemos hoje, e a possibilidade de acesso à informação não pára de ganhar novas dimensões através de engenhocas como telégrafo, telefone, rádio, televisão, telefone sem fio, computador, TV a cabo; invenções que redefinem noções de tempo e espaço.

Antes da Internet - a rede mundial de computadores - nunca a humanidade teria a chance de acesso a tanto conhecimento - o que, até pouco tempo, estava restrito aos privilegiados capazes de viajar e comprar livros importados.

Lembro-me de quando iniciei minha carreira - ainda estagiário do jornal "O Globo", em São Paulo - e entrei, certa vez, numa livraria que vendia o "The New York Times". Por curiosidade, perguntei quanto custaria uma assinatura do jornal americano. O vendedor olhou para mim e perguntou: "Você está maluco?".

Fiz as contas e, na época, uma assinatura mensal daria seis meses do meu salário, e cada exemplar chegaria com dez dias de atraso. Hoje, basta ter um computador ligado ao modem e podemos ler no mesmo dia o "The New York Times". Assim como, de Nova York, lia os jornais brasileiros toda manhã, mais cedo do que quando morava em Brasília e, ainda por cima, sem pagar nada. Enquanto trabalhava, ouvia, por Internet uma rádio FM de São Paulo que toca música brasileira 24 horas.

Por meio da minha coluna na "Folha de S. Paulo", ofereçia, via Internet, textos que acabava ler em Nova York. Recebia e-mails dos mais diferentes lugares, do interior do Ceará, de Recife, Salvador, Rio, Alemanha ou Dinamarca. O mundo ficou pequeno.

Assim, graças à tecnologia, minhas colunas semanais não se limitam à sua publicação, são apenas um início de interatividade, transformando, para melhor, minha relação com os leitores. Remodelando, em essência, a forma como um jornalista deve se comunicar. Esse artigo é, em si, um exemplo. Não estaria completo se não introduzisse ao leitor bancos de dados, acessíveis com um click.

Quero dizer: não há possibilidade de se viver em sociedade sem o desafio da alfabetização. Um desafio particularmente dramático no Brasil, onde temos 20 milhões de pessoas incapazes de escrever um simples bilhete de recado. Os que não conseguem entender e interpretar sequer um texto que acabaram de ler são 60 milhões em nosso país. Repito: 60 milhões.

Tempos modernos

O que, afinal, aconteceu no mundo para que Dante Alighieri acabasse no Harlem?

Uma parte da resposta pode ser encontrada num dos mais extraordinários filmes de Charles Chaplin, "Tempos Modernos". No papel de operário, ele ironiza a repetição interminável de gestos no processo de produção; acaba engolido pela máquina, transformado também em máquina.

"A empresa mudou o jeito de produzir e, assim, mudou o tipo de trabalhador de que ela precisa", define o brasileiro José Alexandre Sheikmann, diretor da Faculdade de Economia de Chicago, a mais importante do mundo. O trabalhador não pode mais repetir gestos, ele tem que criar, improvisar, raciocinar.

"Vocês, brasileiros, se iludem com as imensas riquezas naturais do país. Mas a maior riqueza é o capital humano", ensina Garry Becker, da Faculdade de Chicago, Prêmio Nobel de Economia por suas idéias sobre capital humano - o investimento não está em máquinas, mas na habilitação do trabalhador, obrigado a lidar com tecnologias cada vez mais sofisticadas.

Os altos índices de produtividade de países asiáticos iriam reforçar a tese do capital humano. Países como a Coréia do Sul e Japão apostaram no ensino básico, produzindo trabalhadores mais aptos para competir e ganhar mercado, oferecendo produtos melhores e mais baratos.

"Hoje é consenso que educação é um ingrediente de produção tão valioso como, por exemplo, energia", afirma o consultor de empresas Antoninho Marmo Trevisan.

A fábrica de Chaplin segue o "modelo fordista". Significou, em seu tempo, uma revolução detonada pela indústria automobilística americana, impulsionada por Henry Ford. Bastava ter empregados ignorantes comandados por executivos e engenheiros, a quem cabia pensar.

Pedagogia da paranóia

Avanços da microeletrônica, com seus chips (cérebros do computador) cada vez menores, mais poderosos e baratos, exigem um novo modelo de trabalhador - e, portanto, de estudante. Repete-se, assim, o efeito Gutenberg, redesenhando a sala de aula.

Com a abertura de fronteiras e a facilidade de negociar, graças aos novos meios de comunicação, a competição entre empresas se tornou ainda mais feroz. É, em essência, o que se chama globalização.

Ninguém definiu melhor este clima de competitividade do que um dos mais importantes empresários americanos, Andrew Grove, professor de administração de empresas. Grove fundou a Intel, empresa que criou o microprocessador - chips - que iria viabilizar os microcomputadores. Ele viu tantas mudanças em tão pouco tempo, tanta gente prosperar e despencar rapidamente devido à competição, que escreveu um livro defendendo a seguinte tese: só os paranóicos sobrevivem.

A globalização gerou um ambiente de "briga de foice no escuro". Investir em produtividade virou ainda mais crucial. Até pouco tempo, boa parte da competição vinha de dentro das fronteiras; essa barreira ruiu. Hoje, temos acesso ao "The Wall Street Journal", mais influente jornal de economia do mundo, em português, oferecido diariamente pela Internet. Os jornalistas brasileiros, protegidos pela língua, vêem-se diante de um inesperado competidor.

"De que vale uma máquina sofisticada, comandada por um trabalhador ignorante?", pergunta o empresário Antônio Ermírio de Moraes.

Numa estimativa do Ministério da Educação dos Estados Unidos, de 1992 até o ano 2000, 89% dos novos empregos vão exigir nível de conhecimento de matemática e leitura de alguém com pelo menos dois anos de faculdade.

Poucos setores refletem tão bem essa paranóia como os meios de comunicação, produtores de notícia. Como os professores, os jornalistas também são intermediários da informação e do entendimento.

Despenca a circulação dos jornais, telejornais, revistas. Laboratórios de informação do Massachussets Institute of Tecnnolgy (MIT) e da Universidade de Columbia tentam descobrir como se produz uma reportagem no futuro. No MIT, prometem para breve um material que substitui o papel igualmente maleável e portátil, recebendo informações on-line. Seria, imaginam, o fim do jornal como o conhecemos hoje.

"Suspeitamos que o futuro jornalista vai ter de ser multimídia. Deve saber escrever, editar imagens, vídeos, usar som, e apontar bancos de dados para o leitor aprofundar seu texto", afirma John Pavlik, responsável pelo Centro de Novas Mídias, da "Faculdade de Jornalismo da Universidade Columbia" (http://www.cnm.columbia.edu/), considerada a mais importante do país.

"Todos os papéis estão em movimento e precisamos treinar um novo profissional", sustenta Pavlik.

Para garantir esse treinamento, alguns dos mais importantes jornais e redes de televisão americanas sustentam o laboratório de novas mídias de Columbia. Até mesmo um jornal brasileiro, "O Globo" está financiando a experiência de Columbia, de olho na formação de seus próprios profissionais, no futuro próximo. O laboratório do MIT ( http://media.mit.edu/) é apoiado por "O Estado de S. Paulo".

Laboratórios ultrapassados

Empresas americanas já gastam, hoje, U$ 30 bilhões anuais para treinar sua mão-de-obra, adaptando-a às novas exigências do mercado. Tentam, na prática, preencher o vazio das escolas.

Nunca se viveu uma abertura tão ampla de fronteiras combinada com tamanha velocidade de mudanças tecnológicas. Como resultado, os laboratórios das escolas estão completamente defasados. Para enfrentar este problema, o governo americano lançou, em 1994, o programa "Da escola ao Trabalho". As empresas abrem suas portas para estudantes aprenderem nos seus maquinários, preparando os estudantes para o que, em breve, vão encontrar no mundo do trabalho.

As empresas aplaudem o projeto e pressionam os governantes para melhor o ensino público. Informam que mudaram de procedimento. Vão condicionar a abertura de seus negócios a cidades capazes de produzir trabalhadores educados e vão analisar as notas do segundo grau de seus futuros contratados.

Afinal, sabem que está cada vez mais difícil encontrar mão-de-obra especializada. Não foi à toa que Bill Gates se uniu ao lobby contra os que, no Congresso americano, defendiam restrições `a entrada de imigrantes nos EUA. O dono da Microsoft alegou que não poderia abrir mão de trabalhadores qualificados formando em países como a Índia, segundo maior exportador de softwares do mundo.

No final do milênio, está sendo recuperado o conceito de aprendiz, exatamente como o criado na Idade Média: a idéia do aprendizado ligado ao trabalho. A raiz vem do latim, fincada na concepção de aprender usando as próprias mãos.

Essa idéia se ampliou a tal ponto que, nos Estados Unidos, cresce o movimento para unificação dos ministérios do Trabalho e Educação.

Empresas americanas de alta tecnologia experimentam nova escala de trabalho para seus empregados mais qualificados. É o mês de apenas três semanas. Diante da percepção de que o fluxo de informação sobre descobertas assumiu proporções jamais vistas, empresas separam uma semana apenas para pesquisa e reciclagem.

Tirado da rotina, o empregado dedica-se todos os meses a uma semana de leituras e cursos dentro e fora de seu local de trabalho; são feitos convênios com universidades, firmas ou realizados programas no Exterior. O tempo de estudo permite atualização permanente, fator vital em negócios que não páram de se renovar a cada dia - e, por isso, não páram de tirar gente da competição.

Os episódicos congressos profissionais tornam-se, assim, defasados, incapazes de acompanhar o ritmo. Por trás desse movimento desesperado pela constante atualização, especialistas de recursos humanos e professor de administração identificam a crise do excesso de informação.

É algo que seria tão ameaçador como carência de informação.

Daí que começa surgir nos EUA uma nova profissão com ares de moda: profissional do conhecimento. O profissional do conhecimento ajudaria as empresas a lidar com a torrente de dados, evitando desperdício de tempo e atenção.

Eles eles transformariam informação em conhecimento. Ou seja, algo útil, aplicável em suas atividades.

Para entender o conceito: a informação seriam os tijolos. Empillhados, formariam a casa, o conhecimento.

Em poucas palavras: eles diriam o que os empregados precisam, de fato, saber. Estimulando a moda, escolas de administração criam a cadeira do "Conhecimento", ensinando com se compartilha o saber dentro de uma empresa, a fim de gerar inovação.

As mais importantes firmas de consultoria dos EUA abriram departamentos apenas para "assessoria de conhecimento". Até estão criando , na Califórnia, programas de computador.

São bancos de dados com tudo o que o funcionários deveria saber; vai desde o funcionamento de teclas do computador até o perfil dos clientes.

É a memória e mesmo a cultura de uma empresa permanente acessível em cada terminal.

Difícil saber se o profissional do conhecimento não é mais uma dessas modas do tipo "reengenharia", hoje, nos EUA, sinônimo de consultor esperto e empresários trouxas.

Essas modas lançadas por consultores se assemelham com as dietas miraculosas, prometendo emagrecimento rápido e sem fome.

Assim como ninguém emagrace se não comer menos e se exercitar mais, ninguém progride profissional se não se esforçar sem parar.

Mas um fato é inquestionável - o excesso de informação provoca ignorância. E ainda não estamos preparados para enfrentar essa abundância.

É mais complexo do que se imagina. Multiplica-se a quantidade de informação, mas também é alargada os meios como é disseminada.

Basta olhar em volta. As pessoas andam com telefone celular, recebem dados por pagers, estão conectadas à internet, assistem Tvs por assinatura com notícias 24 horas, além de serem municiados com fontes antigas como jornais, Tvs abertas e rádios.

Está prestes para se lançada televisão acoplada diretamente ao internet. Você vê o programa e, ao lado, tem um menu de opções para aprofundar o assunto. Ou mesmo comprar o produto exposto no comercial.

Tamanho o bombardeio provoca uma, digamos, mesmização. A imensa maioria das leitores, telespectadores e ouvintes, mesmo os mais educados, não sabe onde leu, ouviu ou viu a notícia. Esse fenômeno já é verificável inclusive entre jornalistas, confusos diante de tantas fontes, lançando uma profusão de notícias simultaneamente.

Até pouco tempo, o indivíduo tinha o "seu"jornal. Na televisão, só tinha disponível um telejornal.

Reciclagem permanente

Pergunta inevitável e óbvia: que tipo de estudante deve sair da escola para sobreviver no mercado de trabalho?

O mercado emite sinais de que um colecionador de informações, alguém que decora, memoriza, copia, tende a ter baixa aceitação, ocupando posições subalternas. O trabalhador do presente deve ter perfil de quem sabe lidar com imprevistos, aprender com rapidez, ser flexível. Ou seja, deve ser alguém que, em muitas salas de aula seria taxado como indisciplinado, mau aluno.

As empresas dizem aos educadores que a formação exclusivamente especializada está condenada pela velocidade tecnológica. Portanto, o aluno e futuro trabalhador deve ter uma sólida formação geral, que o habilite a lidar com necessidades específicas. "O trabalhador hoje é um estudante", sustenta Garry Becker. Esta idéia está por trás de um conceito da moda: "lifelong learning".

"Nós não somos técnicos, somos educadores. A tecnologia tem de estar a serviço da educação e não o contrário", afirma Robbie McClintock. "Nosso projeto é que cada indivíduo possa estudar a qualquer hora, em qualquer lugar, obter qualquer informação", acrescenta.

Robbie conhece em detalhes os relatórios sobre avaliação do uso de computador em sala de aula nos Estados Unidos e sabe dos enormes desperdícios de dinheiro público na tentativa de introduzir o computador em sala de aula. Bilhões foram gastos a toa, por um erro grave de avaliação: imaginou-se que a máquina funcionaria sem o professor e sem um currículo específico e adaptado à nova tecnologia.

Desperdício

Num laboratório de informática da Universidade de São Paulo, cientistas investigam como combater erros de português.

Chegaram tão longe que atraíram a atenção da Microsoft de Bill Gates, interessada na inovação para melhorar seu redator de texto.

Não se trata apenas de um corretor ortográfico, já largamente utilizado.

Estão aprimorando programas desenvolvidos desde 1993 para que se detectem deslizes na aplicação de crase, passando pela concordância nominal até conjugações verbais.

Não pára aí. Detectado o erro, são oferecidas várias alternativas possíveis.

Patrocinado pela Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) e Itautec, esse projeto traz, de imediato, uma pergunta: decorar regras vai virar desperdício de tempo?

Cientista responsável pelo projeto, Maria das Graças Volpe Nunes aposta que ano a ano o computador vai aumentar a capacidade de limpar os erros gramaticais.

Se você, portanto, escrever que essa evolução implica numa mudança do ensino, automaticamente verá o sinal de alerta na tela -correto é dizer que implica "uma" mudança de ensino.

Significa, por exemplo, que o mais famoso professor de português do Brasil, Pasquale Cipro Neto, está prestes a perder o emprego?

"Minha tarefa não é ensinar regras, mas ensinar como devemos expressar com precisão e criatividade nossos pensamentos.

As regras são apenas um acessório", responde.

Traduzindo: o que diferencia um bom texto é a criatividade, a sensibilidade de percepção de diferentes ângulos e o encadeamento, com clareza, de palavras e frases.

Se faltar crase, o computador resolve.

A pesquisa de um guia gramatical exibe a linha divisória não de aprendizado de português, mas do aprendizado da vida.

Quem não estiver prestando atenção, extraindo lições e se adaptando a essa tendência, vai idiotizar filhos ou alunos, tornando-os incapazes de prosperar no mercado de trabalho.

Os educadores bem informados em qualquer parte do planeta sentem-se desinformados.

Não conseguem acompanhar, como gostariam, a mudança do perfil das profissões, o surgimento de novas carreiras, impactadas pela velocidade tecnológica jamais vista.

Qualquer educador sério está com um olho na sala de aula e outro na empresa, vendo o que se pede do futuro profissional.

Não se sabe, ao certo, como ensinar - mas, pelo menos, sabemos como não se deve ensinar.

Idiotizar o aprendizado é obrigar a memorização de regras, numa era de abundância de informação.

Idiotizar é estimular o aluno a ir bem nos testes, em vez de envolvê-lo na experimentação para que desenvolva a paixão pela curiosidade.

É não mostrar como as várias disciplinas se relacionam, aplicadas ao cotidiano.

Já sabemos hoje que a escola, assim como a conhecemos, dividida em séries, acabou.

Sumiram as fronteiras entre o trabalho e o estudo. Logo, o trabalhador é forçado a adquirir conhecimento permanentemente; deve, claro, estar habilitado a analisar criticamente a avalanche de informações.

É alguém disposto a inovar, rompendo sempre os parâmetros.

É, em suma, um pesquisador.

É desesperador ver a decadência dos centros de pesquisa, das faculdades públicas (salvo poucas exceções), em meio à deterioração da figura do mestre.

Raríssimas escolas de segundo grau em todo o país (repito, raríssimas) reciclaram seus professores, currículo e programa para o novo perfil das profissões.

Ainda obrigamos nossos jovens a decidir a carreira aos 16 anos de idade. A grande referência ainda é o vestibular que, apesar de todos os avanços, forçando mais a reflexão do que decoreba, é um atraso - é o molde de uma estrutura retrógrada de aprendizado.

É como se apostássemos que o cérebro humano é capaz de competir com a agilidade de armazenamento de dados de um computador.

Ou executar com mais destreza tarefas repetitivas.

Desse jeito, vão fazer que o corretor ortográfico e gramatical tire o emprego do professor que apenas papagueia regras.

Qual deve ser, então, o perfil do novo professor, diante desses desafios, num tempo em que qualquer um pode obter informação em qualquer lugar?

Paixão

Uma conversa que tive em minha casa, em Nova York, no dia 23 de março passado, ajudou-me a colocar o debate em seu devido lugar.

Com um copo de vinho tinto na mão, costas afundadas no encosto macio do sofá, Paulo Freire viu a professora se aproximar. Para não tirá-lo da confortável posição, obrigando-o a se levantar, ela se curvou para as despedidas e aproveitou para perguntar:

"Se você tivesse de apontar uma única característica essencial ao educador, qual escolheria?"

Ele tomou as mãos da professora, sorriu e resumiu numa frase: "Gostar de viver".

Por coinciência, naquele momento eu estruturava meu mais recente livro, o "Aprendiz do Futuro" (editora Ática), um trabalho didático para ajudar o aluno a aprender, em sala de aula, noções básicas de cidadania, computação e Internet (http://www.atica.com.br/). Usando minhas colunas semanais na "Folha de S. Paulo" como plataforma, dissequei palavras-chaves, estabeleci diferenciações temáticas, buscando unir a linguagem pedagógica à jornalística.

Naquele domingo em minha casa, reunimos em torno de Paulo Freire alguns dos mais importantes especialistas em educação de Nova York, interessados em trocar idéias, ou simplesmente admiradores antigos de sua obra, ansiosos por conhecê-lo.

Um dos convidados era o professor Frank Moretti, uma das estrelas da educação de vanguarda americana. Ele orientou as experiências do uso de computador em sala de aula na Dalton, uma escola privada situada no chique Upper East Side de Manhattan.

Com uma mensalidade de 1,7 mil mensais (e ainda não pagam os custos), a Dalton é apontada como o melhor modelo de uso de novas tecnologias, recebendo diariamente romarias de educadores. Através do computador e com a criação de programas de Internet, eles transformaram o mundo numa sala de aula, onde o conhecimento pode ser obtido a qualquer hora e em qualquer lugar. Aluno e professor tiveram de mudar de papel.

"O professor é o centro de gravitação", afirma Frank Moretti, que dirigiu até recentemente o laboratório de novas tecnologias da Dalton e que agora vai se dedicar à disseminação dessa experiência entre as escolas públicas de Nova York. A homepage da Dalton (http://dewey.dalton.org/about_Dalton/) virou fonte de pesquisa obrigatória das faculdades de educação americanas.

Perguntei a Frank Moretti, um apaixonado por tecnologia, jazz, fotografia, restaurantes e, em especial, por Nova York, o que ele achava da definição de Paulo Freire:

"Só os idiotas acham que a máquina deixa o professor menos importante. É justamente o contrário. Um professor apaixonado pela vida estimula a curiosidade e a curiosidade é fonte do saber".

Na quarta-feira seguinte ao jantar, Freire voltou ao meu apartamento. Não estava tão bem disposto, sentia dores no peito, temia que fosse o coração. Durante o jantar falou da perspectiva da morte, fez um balanço de sua vida, entremeado com seus planos para Harvard, onde daria aulas. Como o inverno de Nova York, naquele final de março, ele também dava sinais de que estava se despedindo.

Na confluência de visões de Freire e Moretti, hoje na direção do Centro de Novas Tecnologias da Faculdade de Educação da Universidade de Columbia, temos o seguinte: bom educador é um administrador de curiosidades, disposto a criar um aprendiz permanente.

Diante da abundância de dados acessíveis via bancos eletrônicos, o bom professor é aquele que guia as curiosidades, transformando-se num facilitador, auxiliando a reflexão para que o aluno não se perca na floresta de informações. Ele deixa de ser o único provedor de informação, auxiliado por alguns livros, para ser o administrador da curiosidade da criança ou do jovem.

Há uma diferença vital entre encantamento e deslumbramento com as possibilidades tecnológicas para transmissão de conhecimento. Ninguém aprende nada apenas exposto à informação. Informação não significa entendimento. Do contrário, os guardas das bibliotecas seriam intelectuais. Ou os vigias dos museus, críticos de arte.

O erro primário de jogar o computador em sala de aula é, primeiro, não treinar o professor para uma nova linguagem. Segundo, não preparar um currículo adequado às novas tecnologias. Resumindo o óbvio: o essencial é o que ensinar. Depois, como ensinar.

Há dois anos desenvolvo com alunos do Colégio Bandeirantes, de São Paulo, um projeto de ensino de cidadania pela Internet, chamado "Cidadão na Linha" (http://www.colband.com.br/). São oito professores das mais diferentes matérias - Redação, Inglês, História Universal e do Brasil, Filosofia, Sociologia, Artes, Fotografia. A base é a leitura de livros, que servem como detonadores de pesquisa.

Vivi na prática o que tinha lido nos documentos sobre avaliação do uso do computador nas escolas americanas: apenas com a adesão e entusiasmo dos professores, familiarizados com a nova linguagem integrada ao currículo, se dá o processo pedagógico e os alunos efetivamente aprendem. Ao contrário do que se imagina, a máquina faz do professor uma figura ainda mais indispensável e humana. O mesmo acontece com o operário, obrigado a assumir uma postura de pensador e reprodutor de conhecimento. O jornalista se torna ainda mais indispensável, um tradutor na babel de dados e não apenas mero reprodutor de informações.

Só estimula curiosidade quem transmite paixão pelo conhecimento, gosto pela descoberta contínua, ilimitada com as novas tecnologias.

O computador pode fazer muita coisa - inclusive derrotar o maior campeão de xadrez do mundo, como fez Deep Blue com Boris Kasparov. Mas não existe o menor sinal de que, algum dia, venha a se apaixonar.

Aprendi sobre paixão nas escola dos meus filhos, onde acabei virando

aluno.

A escola dos meus filhos

Vivendo na fronteira do empobrecido bairro do Harlem, em Nova York, um grupo de pais não se conformava com a qualidade das escolas públicas das redondezas.

Nem via alternativa para seus filhos, exceto instituições particulares, com uma mensalidade proibitiva de R$ 1.300.

Eles decidiram, há cinco anos, colocar no papel o projeto de uma escola pública, onde os alunos aprendessem como aprender _e não apenas memorizassem informações.

O currículo deveria perseguir o prazer da curiosidade; os professores treinados para transformar curiosidade em informação, informação em entendimento.

A diversidade cultural do bairro, dividido entre negros e hispânicos, seria fonte de aprendizado, orientado pela reverência à ética e à justiça social.

Descobrir a comunidade seria descobrir o mundo por meio da poesia, artes plásticas ou música.

O projeto foi submetido ao poder público, que resolveu bancar a experiência, cedendo um apertado andar num prédio. Os pais tratariam de levantar sozinhos mais recursos.

Assim surgiu a Manhattan School for Children.

Como não havia espaço na escola para esportes, introduziram aulas de dança. Os museus, teatros e bibliotecas foram incorporados à sala de aula.

Para aprender história e geografia, os alunos estudam compositores e músicos de jazz, visitam as casas onde moravam. São levados, depois, ao teatro, onde ouvem a apresentação realizada por um grupo profissional.

A administração, levantamento de fundos, supervisão dos professores e debate sobre o currículo é feito pelos pais; alguns dos pais são sofisticados educadores ligados à Universidade Columbia, também nas redondezas.

Como o projeto prosperou, firmaram-se acordos com escolas privadas para troca de informações e convênio com as universidades para desenvolvimento de programas tecnológicos.

Todas as classes têm três computadores. Mas são encarados apenas como um acessório a serviço do professor.

Resultado: apesar de tão pouco tempo de existência, a escola foi apontada pela imprensa e faculdades de educação como uma das dez melhores escolas básicas de Nova York.

Acompanhei essa escola diariamente porque meus dois filhos estudaram lá, onde aprendi algumas das melhores lições de minha vivência em Nova York.

Resolvi escrever sobre a escola porque a coluna "América" completa hoje dois anos _a continuação globalizada da coluna "Brasília", onde escrevi por quase dez anos.

Nesses dois anos, tentei mostrar aqui uma galeria de experiências sociais úteis à agenda brasileira. E sempre me pergunto qual a principal lição que extraio dos EUA, para onde me mudei temporariamente para pesquisar sobre educação para cidadania e novas tecnologias, produzindo o Projeto Aprendiz do Futuro.

A principal lição útil ao Brasil está sintetizada na escola dos meus filhos: o sucesso de uma nação depende não apenas da economia ou política. Mas de mentalidade.

Boa parte do atraso brasileiro _e o que explica boa parte do sucesso americano_ deriva de três fatores:

1) O cidadão sentir-se, de fato, dono do país, do seu Estado, cidade, bairro e rua. E não apenas de sua casa;

2) Tomar a iniciativa e não esperar tanto do governo;

3) A aposta na produção e transmissão do conhecimento como alavanca vital de desenvolvimento e democracia.

A partir desses três fatores podemos entender como um grupo de pais cria uma escola-modelo num bairro deteriorado, as universidades não param de fazer descobertas, a agressividade das empresas, até fatos como a queda da criminalidade em Nova York.

Eles ensinam que enfrentar a crise social é muito mais complicado do que se pode imaginar. Tanto que, apesar de tanto dinheiro e esforço, ainda há manchas de pobreza, necrosadas pela violência.

É o resultado de uma sociedade com má distribuição de renda.

Mas a constante renovação deste país ensina que o cérebro humano é o único recurso inesgotável, transformando crises em possibilidades.

Quanto maior a parceria entre sociedades e poder público, mais rápida a passagem da crise para a possibilidade.