Trabalhando para viver

Trabalhando para viver - A way of working





O que a calma relativa ou, pelo menos, o movimento mais disciplinado do atelier de trabalho tem a ver comigo, no meu escritório desarrumado? Estou, hoje cedo, diante de minha mesa de trabalho, com um momento livre para, sentado calmamente, ouvir a questão. Existe um modo de trabalhar como um artesão, possível não apenas para o trabalhador em seu atelier, mas para qualquer homem, onde quer que trabalhe, qualquer que seja o seu trabalho - numa fábrica ou num banco, num escritório executivo ou numa casa cheia de crianças; até mesmo aqui, nesta ruidosa agência de publicidade?

Por muito tempo, estas foram, para mim, questões acadêmicas. Algumas vezes me interessaram seriamente, outras vezes meramente tocaram minha curiosidade, frequentemente degeneraram em meras caraminholas na cabeça. Hoje, alguma coisa é diferente. Hoje quero saber por mim mesmo se existe um modo de trabalhar que, além de me dar sustento físico, alimente também esta fome interior que sinto agora: uma fome de estar realmente aqui no meu trabalho, mais desperto, ao invés de sonhar com ele, arrastado de uma pequena crise até a próxima, de um salário até o seguinte.

O crítico de teatro Walter Kerr parece ter lido meus pensamentos quando, em o “Declínio do Prazer”, escreve: “O trabalho que estamos fazendo é mais ou menos o trabalho que pretendemos fazer na vida, mas ele não nos concede o sentimento de realização que esperávamos ... Se eu precisasse colocar em uma única sentença minha própria explicação do estado de nossos corações, cabeças e nervos, eu o faria desta maneira: estamos vagamente desgostosos porque estamos levando meias-vidas, com pouca convicção, e com apenas metade de nossas mentes ativamente empenhada em contactar o universo ao nosso redor.”

Isto é parte do que me interessa agora: esta pouca convicção, pouca atenção com a qual eu vivo minha única vida. Parece relacionado com a trivialidade do trabalho que faço, e eu gostaria de colocar aí a culpa pela minha insatisfação. Começo a sonhar com um trabalho realizador: num hospital talvez; com algum uso de mim mesmo que satisfizesse essa fome. Ainda assim, o trabalho que eu estou fazendo é o que está ao meu alcance. É o meu meio de vida; precisa ser feito. Eu gostaria de encontrar um modo de realizá-lo mais criativamente, ou pelo menos mais cuidadosamente, de modo que fosse mais como uma troca: um dar assim como um tomar.

Lembro da história de dois monges Zen, ambos fumantes inveterados. Preocupados com a questão de fumar durante o período de oração, concordaram em consultar seus superiores. Enquanto um deles recebeu uma forte repreensão, o outro recebeu um gesto de encorajamento. O monge sem sorte, muito intrigado, perguntou a seu amigo como havia formulado sua questão. O outro respondeu: “eu perguntei se era permitido orar enquanto fumasse”.

Talvez seja esta a espécie de cuidado que meu trabalho necessita. Orar enquanto bato à máquina, respondo ao telefone - Será que exigiria um modo muito diferente de oração? Um modo ao qual os monges Zen devem ter chegado através do seu treino - algo como a súplica sem palavras que a gente descobre ao tentar dirigir um carro numa estrada com gelo ou executando qualquer trabalho de precisão em condições absolutamente impossíveis? Uma vez eu procurei a origem da palavra “oração” e encontrei que sua raiz está em precarius - “obtido pela súplica”, implicando pois incerteza, risco. A verdade é que no meu modo habitual de trabalhar não sinto nada precário ou arriscado. Nada está realmente em jogo. Hoje, por razões que eu não compreendo, sinto que algo imenso e misterioso está em jogo, algo conhecido apenas por mim, importante apenas para mim. Eu só posso chamá-la meu ser. É como se o meu modo habitual de trabalhar servisse para me separar do meu eu, deste novo e frágil sentido de mim nesta máquina de escrever neste momento.

E neste momento fico chocado ao descobrir a vida fluindo dentro de mim: a respiração indo e vindo; o surpreendente bater do coração. Eu estou aqui; o pensamento está aqui; e uma espécie de sentimento. Eu estou aqui neste lugar tão comum com um anúncio comum para escrever, mas é meu trabalho e ele me exige.

O que eu constantemente esqueço é que eu sempre tenho o meu lugar: é exatamente aqui onde estou. Onde mais poderia ser? Aqui está esta vida que é unicamente minha, uma unidade completa de criação que é inteiramente meu lugar e de minha responsabilidade.

Sinto um grande desejo de não perder contato com este sentimento-pensamento que está comigo esta manhã. Já senti isto antes: um desejo de algo mais para mim ou de mim. Existe um mestre em mim para o qual eu possa me voltar, se - como as pessoas nos contos de fada - puder desejar com força suficiente?

Talvez seja só a atitude diária de “ver” que a atividade barulhenta, caótica, que eu chamo meu trabalho profissional, poderia tornar-se um suporte para minha atenção ao invés de uma distração. Talvez, se prestar atenção à realidade que está diante de mim a cada instante - telefone, máquina, lápis, chefe, café - falhando constantemente, aceitando falhar e começar de novo - este trabalho perfeitamente ordinário que eu faço pode tornar-se um trabalho extraordinário, pode tornar-se meu ofício.

O telefone está tocando agora. O primeiro dos meus colaboradores chegou e está atendendo. A questão pela qual eu comecei permanece: Existe um modo de trabalhar que possa sustentar esta necessidade que eu sinto de estar, realmente, aqui no meu trabalho?

A resposta, estou certo, não será encontrada em minha cabeça ou em qualquer livro mas, simplesmente, num incessante aprofundamento da própria questão.

Me deparo com um texto deixado por mim, em cima da mesa, na sexta-feira, e começo a trabalhar.

D. Dooling (Ed.)



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