APOSCALIPSE 2000  
 MAS... UM DIA A CASA VEM ABAIXO...
Voltar  

30/12/1999

Apocalipse adiado

Aparentemente, os profetas do apocalipse erraram mais uma vez. Mas não é caso para deitar foguetes. O mais provável é que um dia acertem mesmo e o mundo se expluda. Não num dilúvio de água e fogo, por acção de uma qualquer divindade castigadora, o que, valha a verdade, já fizemos por merecer, mas lentamente, tranquilamente, pela acção predadora do próprio homem.

Há vinte anos os ecologistas pareciam grupos bizarros, que, por algum motivo estranho, se opunham à marcha triunfal do Progresso. Viviam para atrapalhar e, vá lá, quebrar a rotina das sociedades abastadas. Um luxo que os países do terceiro mundo (lembram-se?) não se podiam permitir. No entanto, permitiam-se e continuam a permitir-se outros luxos impróprios — as guerras endémicas, por exemplo.

Hoje, somos todos um pouco ambientalistas. É que afinal eles tinham razão. Não é preciso ter vivido muito para encontrar na memória pessoal a evidência disso. O rio cristalino e animado da nossa infância ainda ali está, só que escuro, fedorento e morto. O ar é hoje mais opressivo, ou será impressão minha? Os prados das traseiras deram lugar a uma floresta de betão.

Na verdade, o que o homem tem feito, ao longo destes milénios é afeiçoar a natureza a si, corrigindo-a, humanizando-a, no sentido próprio da palavra. E tem-no feito de uma forma verdadeiramente persistente e inegavelmente eficaz.

De uma espécie frágil, sempre em risco de desaparecer às mãos dos predadores, transformou-se no maior dos predadores e no senhor do planeta. São poucos os lugares que escapam ao seu controlo. Cada um dos seus progressos trouxe um prejuízo efectivo para outras espécies. Animais e plantas desaparecem à sua frente. Humanizar o mundo é torná-lo inabitável para os outros seres. No limite, o mundo será ocupado inteiramente pelos homens, os cães e os gatos.

Mas o que percebemos agora é que, antes de chegarmos a esse ponto, ele ter-se-á tornado inabitável para nós.

JORGE SANTOS