Introdução
Esta parte do estudo tende a fazer um retrospecto de toda a saga humana no sentido de desvendar a origem das coisas existentes sobre a face do globo.
A intenção é mostrar que desde os princípio, ao tempo da mais completa ignorância, já se pensava explicar como era a Terra e como foram feitas todas as coisas que se viam e as que não se viam. Não há intenção de fazer estudo crítico sobre as obras dos diversos sábios que vão desfilar ao longo do texto, mas apenas evidenciar as idéias e os autores que enfocaram problemas geológicos, sem saber que eles eram, de fato, geológicos. Sem que se soubesse, buscava-se o conhecimento geológico. Apenas que ele era feito por partes diminutas e praticamente sem relação entre si. O estudo era extremamente fragmentado, disperso.Este panorama, de completa e total ignorância é o caldo de cultura necessário para florescer a religião, de todos os tipos e modos e a ela daremos o nome de idade das trevas. Ela se estende do tempo de Moisés e sua teoria sobre a criação do mundo, 1400 anos AC até 1500 anos da era critã, praticamente 30 séculos de muita fé e pouco conhecimeto.
As perguntas e as respostas tinham uma finalidade que só apareceria mais adiante. O que se buscava eram as respostas para o grande mistério que ainda perdura. Hoje o mistério é conhecido como as perguntas básicas ou questões transcendentais.
Antigüidade: Os Grandes Pensadores
Provavelmente a literatura mais antiga que existe sobre a origem da Terra e do Universo, é a constante na Bíblia Sagrada, no livro do Gênesis, cuja autoria é atribuída a Moisés (fl.c. 1400-1300 AC)6. O Velho Testamento, também chamado de Bíblia Hebraica, que tomou 1,1 milênio para ser escrito (1200 e 100 AC), é um nome novo criado por Melito de Sardis 43 no ano 170 DC, para distinguí-lo do Novo Testamento, uma parte da Bíblia apenas cristã. Os cinco primeiros livros do Velho Testamento constituem o Torah ou Pentateuco, e é no primeiro deles que surgem as teorias sobre o aparecimento da Terra, do Sol, da Lua, das estrelas, dos animais e dos vegetais6. A criação especial do homem e da mulher e a crença geral de que aquilo tudo fora ditado a Moisés por Deus, que teria aparecido a ele por trás de um arbusto em fogo (mas não consumido pelo fogo!), quando apascentava suas ovelhas. Segundo Moisés a luz foi feita no primeiro dia sem origem definida, e só no quarto dia o Sol e Lua foram criados, um para iluminar o dia e outro para iluminar a noite, fato contraditório, pois o Sol é o principal astro do sistema e quem fornece a luz que ilumina a Terra e a Lua de dia e de noite.
No sexto dia Deus fez o homem, "...do pó da terra e soprou-lhe nas narinas o fôlego da vida."6, método usado para formação de todos os outros animais, menos a mulher. A mulher foi diferente: Adão foi anestesiado por um sono profundo, foi-lhe tirada uma das costelas, da qual, Deus fez surgir a mulher, operação que conferiu à ela o lugar de secundária importância que ocupa até hoje, tendendo a se libertar de tal maldição desde o final do século passado. Neste primeiro caso, a mulher foi parida pelo homem. Daí em diante, os homens seriam paridos pelas mulheres. Ambos, Adão e Eva não deveriam ter tido o umbigo uma estrutura orgânica derivada da vida intrauterina. Todos os seus descendentes têm. Esta declaração não tem o objetivo irônico que pode parecer à primeira vista. A finalidade é mostrar que, a artificialidade da explicação de determinado problema complica a explicação de todos os problemas correlatos seguintes, dificuldade que deve ser evitada no estudo da Geologia.
As situações criadas por Moisés para dizer como as coisas foram feitas e como foram criadas as leis gerais que deviam reger a vida dos homens, são ingênuas, contraditórias e sem qualquer arte, mas desempenharam e desempenham uma das mais fortes influências no cotidiano de grande parte da ciência, dos cientistas e da humanidade.
De fato essas lendas não existiram somente entre gregos e judeus, mas apareceram em todas as partes do mundo onde surgia alguém pensando que podia explicar o aparecimento do mundo e das coisas. Eram mitos existentes na África, nas ilhas japonesas, Austrália e Américas 76. Os deuses tinham de ser inteligentes e poderosos; existiam sós e antes de todo mundo; a criação deveria ser deliberada, consciente e ordenada; foi um ato de liberdade e planejamento e eles habitariam em lugar especial hoje conhecido como céu. A criação e o deus criador tinham sempre essas características, variando em função da geografia onde nascia a lenda. Não nos ocuparemos disso, vendo apenas a vôo de pássaro os principais filósofos que se preocuparam mais diretamente com a Geologia, e como tal fenômeno cultural continua a ser cultivado até hoje.
Entre 900-800 AC, apareceu na Grécia um poeta chamado Homero, provável (não há consenso sobre o assunto) autor da Ilíada e da Odisséia, que descrevia a Terra como um disco convexo rodeado pelas águas do Oceanus, provavelmente uma idéia melhor do que a crença dos seus contemporâneos que equilibravam a Terra sobre quatro elefantes, que à sua vez, ficavam em cima de uma gigantesca tartaruga marinha78.
Pela mesma época, 800 anos antes da nossa era, outro poeta grego por nome Hesíodo45, nascido na Beócia, distrito da Grécia Central, deixou um poema épico onde relata o princípio das coisas, isto é, como surgiram a Terra, os mares, as estrelas, o céu etc, seguindo instruções de três musas que lhe apareceram no meio do campo onde também apascentava ovelhas (observar a semelhança com o relato de Moisés). A autoria do poema é atualmente contestada por especialistas do assunto, mas a origem de toda a natureza como relatada no mesmo é incontestavelmente apenas poética. No seu poema, Hesíodo nem ao menos foi original, pois, se existiam diferenças entre os contos de Moisés e os dele, o plano geral era o mesmo. Em vez do Deus de Moisés, eram três musas falantes e, embora com estórias diferentes, o objetivo era o mesmo: explicar como tinham nascido a Terra, os oceanos, as estrelas e os homens. Era provavelmente a segunda teoria da gênese da Terra e da sua natureza, feita quatro séculos depois da primeira tentativa. As musas contaram a Hesíodo como nasceu a Terra (Gaea) e a errônea idéia de como ela tinha sido colocada no centro do Universo. Hesíodo dizia em seu poema que ao princípio era somente o caos escuro, selvagem, onde nasceu a Terra. Foi Gaea(45) que pariu Uranus, o céu, as montanhas e o Ponto que era o mar. As coisas se complicam posteriormente, quando Gaea se une ao próprio filho, Uranus, de quem teve outros filhos, inclusive Titã que se rebela contra o pai e o emascula, e reina até o aparecimento de Zeus etc. Esse método de teorizar sobre a origem da Terra e sua natureza como veremos, era comum nquele tempo e contiua a ser hoje, pois os cientistas persistem em especular sobre o assunto, apenas que mais sofisticadamente: mandam-se ao espaço foguetes e sofisticados aparelhos com sensores e telescópios para continuar pesquisando a origem do universo...
Os grandes filósofos, cuja influência é sentida até hoje, também discorreram sobre assuntos diversos da ciência e do comportamento humano, e se aventuravam nas tentativas de esclarecer sobre a origem da Terra, sua forma, seu tamanho e sua natureza. Entretanto não tinham meios de perceber que a Terra não era o centro do universo como ensinavam os sacerdotes e isso era um fator complicante para o conhecimento. Era a época do Geocentrismo, àquele tempo ainda desconhecido com este nome.
Ora, se a posição da Terra no universo já era um assunto resolvido, segundo se pensava naquele tempo, qual seria a sua forma e o seu tamanho e qual seu material formador? Surgem então idéias mais ousadas com a cultura grega do VI século antes da nossa era.
Forma, Tamanho e Matéria Prima da Terra
Tales de Mileto (624-546 AC)58, matemático e filósofo grego, foi o primeiro a pensar em termos da natureza. Previu, segundo Herôdoto, um eclipse acontecido a 28.05.585 AC, que provocou a paz entre Medas e Lídios que travavam uma determinada batalha; por causa disso, ganhou grande credibilidade. Provavelmente foi o primeiro geômetra a estudar a divisão do círculo por seu diâmetro e atribuía à água a origem de todas as coisas do universo, pois, esta existia nos três estados possíveis da matéria: sólido, líquido e gasoso. Eram as primeiras idéias do nascente materialismo e tinha o mérito de descartar Deus como o autor das coisas, buscando suas causas nos materiais que podia ver e pegar ao seu redor. Para ele, a Terra era de forma achatada e flutuava sobre uma abismo de águas, idéia não muito melhor do que a idéia geral, já referida, que dizia estar a Terra equilibrada sobre quatro elefantes que por sua vez se apoiavam sobre uma enorme tartaruga; o kosmos (ordem, em grego) e a racionalidade das coisas, eram de origem divina, que também determinava o seu fim.
Anaximander (610-546 AC)63 outro filósofo grego, discípulo de Tales, considerado o fundador da Astronomia, também tentou explicações sobre a Terra dentro de uma visão mais científica, dando os primeiros passos do que se chamaria no futuro de materialismo. Escreveu tratados de Geografia, Astronomia e Cosmologia e chegou a fazer um mapa da parte conhecida do mundo até aquele momento. Suas teorias conservavam a errada posição central e estática da Terra ao centro do universo, segundo ele, por não haver razão para ela se mover. Criticou a idéia de Tales, dizendo que a água não poderia ser a substância formadora de todas as coisas, como pensava aquele sábio, pois isso implicaria em uma contradição: uma coisa ser também o seu oposto. A água era molhada por sua própria natureza e por isso não poderia formar coisas secas que sem dúvida existiam no mundo. Seu mestre, dizia ele, estava errado! A busca do que poderia compor as coisas do mundo era o problema a resolver. Como explicar o quente e o frio, seco e molhado etc? Surgiu então a idéia de que as substâncias formadoras das coisas da natureza eram quatro: a terra responsável pelo seco e o frio; o fogo responsável pelo seco e quente; a água que responderia pelas coisas frias e molhadas e finalmente o ar que formaria as coisas quentes e molhadas.
Pitágoras de Samos (580-500 AC) 88, matemático natural da Iônia, foi também o fundador do Pitagoreanismo que proclamava que todas as coisas podiam ser baseadas (retratadas) em números (idéia que seria enfatizada mais tarde por Galileu); percebeu as relações métricas do triângulo retângulo; melhorou muito as idéias da astronomia do seu tempo, ensinando que, se a Lua e o Sol eram esféricos como se vê, por que a Terra não teria a mesma forma? Foi ele que inaugurou a aplicação da matemática aos fenômenos físicos ao perceber que as notas emitidas por uma corda esticada dependiam de uma razão exata do comprimento da corda. As formas das coisas e figuras foram reduzidas a números e assim formava-se a ponte entre as experiências físicas e a Matemática. Essa filosofia virá até os nossos dias, distinguindo a Matemática, erroneamente, como uma matéria básica no entendimento da natureza. O estudo com o auxílio dos números, daria a resposta tanto à qualidade como a forma dos objetos. Apesar da proximidade com números, e de seu famoso teorema, Pitágoras cria também na transmutação das almas, nas relações com as divindades e que seria capaz de rememorar suas passadas encarnações etc, pavimentando o aparecimento do atual espiritismo. O mesmo caminho, isto é, a tentativa de desvendar os mistérios religiosos, seria seguido por Newton muito mais tarde.
Parmênidas89, nascido 515 anos AC na Grécia, explicava que a existência de todas as coisas tinha uma raiz comum que ele chamava de Ser, provavelmente se referindo a Deus, voltando para as raízes metafísicas implantadas anteriormente pelos religiosos. O Todo é único e a matéria é imutável dizia ele anunciando o que foi chamado de princípio parmenideano e, justo por isso, considerado o fundador da Metafísica. Foi também o fundador do Eleaticismo, nome derivado de uma colônia grega ao sul da Itália, Elea, cuja base monística fundava-se no pensamento de que Deus era único, estático, puro, eterno que não foi gerado por ninguém.
Anaxímenes de Mileto63 foi contemporâneo (545-? AC) de diversos sábios. Ele esposava outra teoria, como todas, muito estranha. Todas as coisas do mundo, dizia ele, tiveram sua origem no que ele chamou de aer (ar), conforme sua densidade. A mínima condensação era o ar, que se respirava, e que a medida que ficava mais denso era percebido na forma de orvalho, umidade, nuvens, até alcançar uma densidade máxima na forma da terra e das rochas. O aer, poderia ser divino, formando e sustentando o Universo, mas poderia ser humano e nesse caso passava a se chamar de alma, responsável pela vida e pelos movimentos. O arco-íris, ensinava, era o efeito dos raios de Sol ao atravessar o ar compactado.
Observe-se então, que mesmo àquele tempo, havia sábios e sábios. Uns tinham coerência nos seus ensinamentos e conclusões. Outros derrapavam entre o conhecimento e o delírio já beirando a insanidade.
Heráclito (540-480 AC)47, outro filósofo grego, como Tales, também se aventurou a discutir o princípio das coisas, e atribuía ao fogo a sua origem. Achava que o Sol era do tamanho que os habitantes da Terra o viam. Foi o primeiro a dissertar sobre a conexão dos contrários e emitiu o conceito do balanço das forças (ação e reação): a toda ação corresponde outra que lhe é igual e de sentido contrário, conhecida hoje como a 3a Lei de Newton. Diga-se de passagem que essa lei do balanço das forças opostas, já era conhecida muito antes disso pelos chineses (ying-yang).
Anaxágoras63 (500-428 AC), sábio da Grécia, nascido na Anatólia, descobridor da verdadeira causa dos eclipses, também explicou a natureza através de uma teoria complicada, onde ele afirmava que todas as coisas tinham aparecido da Razão, algo que existia mas não tinha explicação. Em Atenas, o centro da cultura científica grega, para onde se mudou, foi acusado de impiedade por afirmar que o Sol era uma rocha incandescente, pouco maior que a região do Peloponeso...
Os sucessores desses sábios ampliaram mais a idéia. Além do fogo e da água também eram elementos primordiais o ar e a terra, como visto anteriormente. Para os egípcios por essa mesma época, os elementos primordiais eram a água, o fogo, a terra, os metais e a madeira.
Empédocles70 (490-430 AC) foi um poeta, estadista, professor de Teologia e filósofo grego que aceitava a idéia vinda desde Anaximander(610-546 AC)63, de que todas as coisas do mundo eram formadas pela combinação dos quatro elementos: ar, água, terra e fogo e que nada poderia ser criado nem destruído, mas simplesmente transformado segundo as proporções das substâncias fundamentais, antecipando-se em mais de 1200 anos a Lavoisier e sua lei da conservação da matéria. A diferença é que, segundo Empédocles, haviam duas forças antagônicas dominantes que interagiam e formavam ou separavam as quatro substâncias: Love (o Amor) e Strife (o Conflito) sustentando a teoria na metafísica, enquanto Lavoisier dispensaria essa ajuda e calcularia o balanceamento das suas equações, mostrando que a quantidade de material era a mesma, antes e depois das reações. Empédocles, como Pitágoras, foi um dos precursores da doutrina do espiritismo, pois ensinava que as almas existiam, que transmigravam de uma pessoa para outra e que os pecadores tinham de re-encarnar várias vezes para se purificarem.
Posição da Terra no Sistema
Posteriormente surge um dos grandes filósofos da natureza. Aristóteles (384-322 AC)64, nascido em Stagira nas vizinhanças da Macedônia, foi o sábio que organizou a pesquisa científica.
Foi tutor de Alexandre o Grande imperador da Macedônia, e aluno de Platão, outro expoente da ciência daqueles tempos. Aristóteles seria o demolidor de muitas das idéias dos seus antepassados e contemporâneos, mas em compensação criaria outras por sua conta32 que prejudicaram durante muitos séculos o progresso da ciência. Ele se opunha a Heráclito dizendo que o Sol era muito maior que o observado, pois havia uma enorme distância entre ele e nós, por isso parecia tão pequeno. A Terra sim, era pequena em face do Universo. Ensinava que além dos quatro elementos formadores da natureza, havia um outro chamado por ele de quintessência. Aristóteles combateu a idéia de que os rios fluíam de um reservatório dentro da Terra, onde se concentravam as águas das chuva, dando nova explicação que seria a semente, tanto dos processos de sedimentação, como do ciclo da água. Isso a um tempo em que se explicava ser a água o suor da Terra quando a luz do Sol dardejava sobre ela, e como todo suor, era salgado e que algum dia o mar secaria devido ao fenômeno da evaporação (idéia semelhante as usadas hoje em relação a extinção do petróleo). O mar jamais secaria, contrapunha-se ele, pois a água evaporada voltava a Terra em forma de chuva refutava o sábio grego. Eram de Aristóteles as conclusões de que a Terra era esférica como evidenciado pela observação da sombra projetada na Lua por ocasião dos eclipses, conclusão corroborada pela visão do céu que era diferente conforme a latitude do observador sobre a Terra, um avanço sobre as idéias pitagoreanas.
Se a Terra era de fato esférica como afirmava, o ocaso se dava além das Colunas de Hércules (Estreito de Gibraltar) e a aurora em algum lugar por trás da Índia. Esse conceito foi usado por Colombo em sua aventura já no século XVI e o levou a chamar as novas terras descobertas de Índias Ocidentais, pensando que tinha realmente dado a volta ao mundo. Aristóteles explicava as causas dos terremotos tão erradamente como ainda hoje se faz e era natural que assim o fosse: os ventos encerrados no interior da Terra dizia ele, ao passar nas estreitas fendas em seu caminho para o exterior, provocavam as vibrações. Os trovões, os raios e as tempestades eram os mesmos ventos, mas agora circulando no exterior. As explicações de como se formavam os metais e outras substâncias não tem qualquer sentido científico, mas devido a sua imensa superioridade de conhecimento sobre as pessoas do seu tempo, passavam a ter um sentido correto e mesmo indiscutível. Mas a pior idéia de Aristóteles foi a explicação dos movimentos. Segundo ele os movimentos dependiam da força exterior que lhes conferia esta qualidade, idéia que só vai ser corrigida 2.000 anos depois por Galileu Galilei. Se cessasse a força não haveria movimento, afirmação que hoje, reprovaria qualquer estudante de física primária. Aristóteles morreu 322 anos antes da nossa era, e sua influência de idéias perdurou por muito tempo e perdura ainda hoje.
Pouco depois de Aristóteles surge Aristarco de Samos (310-230AC)65, astrônomo grego que trabalhava baseado em cálculos geométricos e o primeiro a contradizer a crença geral de que a Terra era o centro do Universo. Afirmava ele corretamente que a Terra girava ao redor do seu próprio eixo e circundava ao redor do Sol. A idéia não soava apenas como absurdo, mas era especialmente uma ofensa aos deuses dos homens, já naquele tempo um problema herético grave. Um desses guardiães da fé àquele tempo, Cleanto o Estóico, provavelmente enciumado do conhecimento de Aristarco, chegou a sugerir que ele fosse acusado de impiedade, uma reação aos que se opunham aos dogmas religiosos sobre a criação do mundo vigentes aquele tempo (o castigo para a impiedade era a morte pelo fogo). Foi Aristarco que mediu pela primeira vez as distâncias da Terra ao Sol e a Lua, além de medir o ano solar, evidentemente com erros, devido a imprecisão do método.
Grande contribuição ao conhecimento da natureza da Terra foi dada por outro astrônomo e matemático grego chamado Hiparcos 49, morto 125 anos antes de Cristo. De seus estudos nasceram o conhecimento da precessão dos equinócios, o aperfeiçoamento da medida do ano solar calculado por Aristarco, mas com o erro reduzido para 6,5 minutos, além do primeiro catálogo estelar e as primeiras formulações da trigonometria. Sábio que era, incorria no erro comum daquele tempo. Continuava a raciocinar com o sistema geocêntrico apesar das idéias novas sobre o assunto deixadas por seu predecessor Aristarco, fora as dificuldades que haviam para explicar os movimentos realmente excêntricos dos planetas ao redor do Sol, em órbitas circulares ao redor da Terra. Acabou por demonstrar que um circulo excêntrico, eqüivale matematicamente a uma figura geométrica complicada chamada de sistema epicíclico/deferente provavelmente já pesquisada um século atrás pelo matemático grego Apolônio de Perga, que aceitava a mesma teoria, evidentemente sem resolver o problema.
O sistema geocêntrico e suas conseqüências eram o resultado dos primeiros passos da cambaleante ciência pelo terreno da cultura religiosa, mais fácil de impor, que afirmava que Deus teria feito a Terra e nela colocado o homem. Este lugar, importante que era, raciocinavam seus adeptos, só poderia ser o centro de um círculo (outra forma perfeita da natureza), ao redor do qual giravam todos os outros astros que podiam ser observados durante a noite. Hiparcos também foi acusado de impiedade ou de heresia por ter feito o primeiro mapa estelar com 850 estrelas, seus brilhos aparentes classificados em seis magnitudes como é usual até hoje.
Ainda por essa época desponta outro grande nome da ciência. Eratóstenes de Cyrena74 (276-194AC), poeta, cientista e astrônomo, o primeiro a calcular outro dos parâmetros importantes da Terra. Se ela era esférica, raciocínio que vinha desde Pitágoras (Seis séculos AC) e Aristóteles (Quatro séculos AC.) qual seria a sua circunferência? Raciocinando em termos do paralelismo dos raios solares e os ângulos destes com as verticais de dois lugares da Terra, distantes entre si por uma distância conhecida no mesmo meridiano, pode ele determinar (com o auxílio de uma proporção) o raio terrestre e daí a sua circunferência errando por pouco. (15% para mais em relação a atual medida. (Veja a ilustração ao lado, da Encyc.Brit.).
Pouco a pouco nos detalhes, separados por intervalos de tempo muito grandes, os homens mais curiosos e mais intimoratos diante dos castigos divinos prometidos pela Igreja, iam conseguindo desvendar os segredos da Terra. De modo geral os resultados eram sofríveis e não se podia esperar que fossem corretos desde que a técnica para obtê-los era incipiente, mas progredia-se. A virtude a ser admirada era a coragem de enfrentar o terror imposto pela ignorância, exercido pela igreja, que teimava em transformar as forças da natureza em forças divinas para explicar os fenômenos geológicos.
Um século e meio já na chamada era cristã, surge outro expoente da ciência chamado Claudius Ptolomeu de Alexandria90. Ele organizou todo o conhecimento que se tinha da Astronomia até aquele tempo e os condensou em uma coleção de treze livros, cujo título, por corruptelas de tradução, chegou até nós com o nome de Almagest. (Na figura ao lado, a capa da obra de Ptolomeu).
No seu trabalho sobre Astronomia e Matemática, o cientista compilou o que já se conhecia sobre a Astronomia vinda da escola grega, e confirmou em seus livros a errada posição central da Terra no sistema, fundando com isso o que ficou conhecido como Sistema Geocêntrico ou Sistema Ptolomaico. A obra de Ptolomeu, foi traduzida para o árabe em 827 DC, e para o latim no século XII, influenciando, pesadamente, tanto os povos do oriente como os da Europa, isto é, em quase todo o mundo conhecido.
Em resumo, as idéias religiosas de Moisés e Hesíodo e as incipientes idéias científicas de Platão, Aristóteles, Aristarco e outros, passaram intactas da era pre-cristã para a nossa e todo esse conjunto de conhecimento plasmou, influenciou e em muitos casos engessou a ciência durante quatorze séculos. O interesse geral dos cientistas e religiosos era conhecer a origem do mundo e do homem, isto é, dar uma resposta aos fatos e explicar o funcionamento da natureza. Cada um tinha uma maneira de dar a solução do problema e elas acabaram por se contrapor: cientistas a pesquisar sem meios para fazê-lo, dando respostas parciais e incompletas; religiosos a transformar as formas e forças da natureza em obras de deuses criados na sua imaginação. De permeio havia alguns que tentavam conciliar as duas coisas: ver ciência nos contos bíblicos ou ao contrário, fazer ciência dentro dos cânones religiosos, postura que se projeta até hoje.
O panorama científico existente no mundo até a metade do século XVI, era regido pelas antigas idéias de Ptolomeu: a Terra era o centro do Universo e ao redor dela, giravam os corpos celestes.
Surgirão outros nomes ao longo do tempo que vão mudar esse panorama, o que veremos no próximo arquivo
Anderson Caio
© 1997 acaiors@terra.com.br