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Alocução de Xanana Gusmão na Cerimónia de Transição das FALINTIL
para a nova FORÇA DE DEFESA DE TIMOR LOROSA’E


1 de Fevereiro de 2001, em Aileu

Senhor Representante Especial do Secretário-Geral da ONU, Dr. Sérgio Vieira de Mello

Senhor Comandante do PKF, Tenente-General Iumpradit Boonsrang

Senhores Embaixadores e Representantes Diplomáticos

Amiga Sarah Cliff, Representante do Banco Mundial

Reverendissimo Bispo, D. Carlos Filipe Ximenes Belo

Senhores Membros do Gabinete da Administração Transitória

Distintos Membros do Conselho Nacional

Senhor Vice-Presidente do CNRT, Eng. Mário Viegas Carrascalão

Senhores Presidentes dos Partidos Políticos e Membros do Conselho Permanente do CNRT

Queridos irmãos, valorosos quadros do CNRT

Senhor Dr. Roque Rodrigues, Responsável pela Área de Defesa

Senhor Comandante-em-Chefe das FALINTIL, Taur Matan Ruak

Minhas Senhoras e meus Senhores

Comandantes e Guerrilheiros!

Saúdo-vos, combatentes da Pátria, saúdo-vos, guerrilheiros das montanhas de Timor Lorosa’e!

Eu não irei fazer discursos em vossa homenagem, porque eu sei que estais fartos de elogios sobre o nobre e fundamental papel desempenhado por vós, nos dificílimos anos de luta armada. Nós ainda nos lembramos das várias reuniões, aqui em Aileu, para resolver os vossos problemas a para falarmos do futuro das FALINTIL.

Hoje é um dia especial para a Pátria e para o Povo, hoje é um dia especial para as FALINTIL! Percorremos um caminho difícil, sòzinhos, pelo reconhecimento de um estatuto às FALINTIL. E agora que as FALINTIL se preparam para encarar o futuro, com realismo e sobriedade, algumas mentes fracas e ortodoxas, que falam muito mas pouco ou nada têm para vos dar, aparecem a querer determinar uma influência política sobre as FALINTIL.

Todo o processo de libertação em Timor Lorosa’e seguiu e deve seguir um caminho de inovação e de transformação, porque o progresso exige que ultrapassemos todas as barreiras psicológicas e políticas que ainda subsistem nalguns espíritos que ainda não estão capazes de cortar com o passado, para que o amanhã venha a ser totalmente diferente do aventureirismo de ontem. Infelizmente ainda hoje, há quem ameace a população com represálias das FALINTIL, se a população não entrar num partido. E isto é puramente inaceitável, quando se fala muito de liberdade... para organizar o povo até às bases.

Recordando a ímpar decisão, de grande dimensão política, de despartidarizar as FALINTIL desde Dezembro de 1987, decisão que alguns, no mato, nem se deram conta porque estavam extremamente débeis, sob o apoio constante dos guerrilheiros, e outros no exterior que, só depois do Setembro sangrento, apareceram em Timor, rotulados de CNRT, as novas Forças Armadas de Timor Lorosa’e que vão iniciar a sua instrução, apresentam-se aos olhos do nosso Povo e da Comunidade Internacional, como um Exército que conhece as suas responsabilidades perante o Estado de Direito, que estamos a criar, e onde as liberdades fundamentais do Homem e da Sociedade serão a garantia de um sistema democrático pluripartidário. A vossa experiência magnífica durante a resistência, sobrepondo-se a todos os conflitos partidários e fragmentistas, constitue a base de sólida confiança que o povo e a sociedade timorenses podem depositar em vós.

É este o vosso capital simbólico e deveis honrá-lo sempre e em todas as circunstâncias!

Quando os partidos assumirem a governação, exigiremos aos governantes para prestarem a devida homenagem a todos os tombados, e a devida assistência às viúvas, aos veteranos, aos mutilados de guerra e aos órfãos.

Como vosso ex-companheiro das mesmas dificuldades nas montanhas, que falhou na vossa condução, reduzindo-vos a menos de 100 homens armados e que só a lúcida direcção do vosso comandante, Taur Matan Ruak, vos ajudou a crescer para mais de 1.500 homens, só posso expressar aqui e hoje, a minha admiração pelo espírito de sacrifício que demonstrastes ao suportar mais de um ano de privações em Aileu.

O processo de reconstrução é difícil e todos vós sabeis. Enquanto ainda Presidente do moribundo CNRT (e sei que muitos esfregam as mãos de imensa alegria ao ouvirem a palavra ‘moribundo’), devo, em nome do Povo Timorense, agradecer aos países doadores que logo se prontificaram a apoiar a formação das novas Forças Armadas de Timor Lorosa’e, com especial relevo para Portugal e Austrália. Ao King’s College, vai também o nosso profundo apreço pelo valioso estudo a que se comprometeram, facilitando assim o reconhecimento das necessidades do país.

Um especial agradecimento, porém, é dirigido ao Secretário-Geral da ONU, Dr. Kofi Annan, que imediatamente compreendeu e respondeu positivamente às nossas exigências. Ao Dr. Sérgio Vieira de Mello, o nosso enorme apreço pela postura de total apoio às Falintil, assim como ao Major-General Mike Smith, que desde a primeira hora partilhou connosco as nossas preocupações.

Ao Banco Mundial também vai um sincero agradecimento, porque desde Outubro de 1999, manifestou vontade de apoiar os desmobilizados. E finalmente a todas as ONGs e Agências Humanitárias, Individualidades e Organizações de Solidariedade, à UNTAET e ao 1º Ministro de Portugal, Eng. António Guterres, a nossa profunda gratidão pelo apoio concedido às FALINTIL que permitiram assim aos guerrilheiros ter um prato de comer durante mais de um ano.

Comandantes e Guerrilheiros

A todos quantos não tiverem desejado ou podido, por diferentes motivos, ser alistados para a nova Força de Defesa de Timor Lorosa’e, só me resta apelar para a compreensão das dificuldades do processo. Bem sabeis que a OIM (Organização Internacional para a Migração) e o Banco Mundial estão interessados em ajudar-vos.

Quero aproveitar a oportunidade para vos informar que, desde 1990, a UGT (União Geral dos Trabalhadores) de Portugal donou um montante para ajudar a guerrilha e este dinheiro nunca foi usado. Na minha última estadia em Portugal, em Outubro do ano passado, tive um encontro com os Srs. Rui Oliveira e Costa e  Álvaro Beleza, da UGT, que me informaram que o dinheiro rondava já os 208.000 dólares americanos. Eu disse-lhes que o dinheiro será de uma grande ajuda para iniciarmos uns pequenos créditos para os veteranos, a fim de se poder garantir um futuro mais ou menos digno, aos homens e mulheres que doaram o melhor de si mesmos para a luta.

Informo assim que vai ser organizada uma pequena equipa de 5 a 7 pessoas, que trabalharão em todo este processo de concessão de apoio, em micro-créditos, aos veteranos da guerrilha. Tendo em conta que a quantia é relativamente pequena, a assistência inicial será sobretudo dirigido aos idosos e aos mutilados. É, por isso, que o apoio que o Banco Mundial e a OIM irão garantir será fundamental para a solução de muitos problemas, que persistirão até o Estado independente de Timor poder adoptar uma política séria sobre o assunto.

Por último e para encerrar o capítulo da participação das FALINTIL, que alimentou a chama da resistência em difíceis anos de luta, umas breves palavras de quem nunca foi um bom guerrilheiro e de quem nunca pretendeu nem pretende ser político.

Para que se afastem as dúvidas de uma vez para sempre, pois existem pessoas que pensam que eu estou a tentar enganar o Povo ou que eu estou a jogar uma política suja com os partidos ou, ainda, que estou a brincar com a Comunidade Internacional, quero aqui abordar uma questão para que as pessoas, dentro e fora do país, comecem a reflectir com objectividade no problema.

Nos anos mais difíceis da resistência, em que a confiança na vitória começou a ser mínima, eu jurei perante os ossos dos tombados e perante o punhado de homens, que acreditavam em mim, que eu nunca aceitarei nada como recompensa, porque eu estava apenas a servir um ideal de todos, nem nunca ambicionarei um lugar ou uma posição, porque eu não estava a lutar para isso. E aqui declaro que cumprirei este juramento sagrado aos guerrilheiros, tombados e sobreviventes, e a minha promessa muito recente aos quadros do CNRT!

Se tive alguma capacidade, foi apenas a de manter-me a mim mesmo suficientemente lúcido para compreender o meu papel. As virtudes que foram tecidas à minha volta, carecem de verdade. Não sou o que muitos pensam de mim, não sou o herói e muito menos a pessoa capaz.

Os comandantes, os aqui presentes e os tombados, é que são os heróis. E toda uma estrutura de quadros da Organização Clandestina é que foi a peça fundamental de inteligência e de astúcia, na arte de fazer uma guerra de guerrilha, vivendo lado a lado com o inimigo.

As minhas obrigações políticas na liderança da resistência terminaram no Congresso do CNRT. Se eu e outros quadros, iletrados, do CNRT ainda assumimos a obrigação moral de estar ao lado do Povo, educando-o para ser ele o actor verdadeiro do processo, este comprometimento será apenas até as primeiras eleições, a ter lugar em Timor Lorosa’e.

O País necessita de novos líderes, de novo sangue e de novo vigor.

As minhas capacidades são limitadissimas e a todos apelo para não sobrevalorizarem o que não possuo. Estou e continuarei consciente das minhas responsabilidades como simples cidadão, igual a qualquer um outro, mas serei irremovivel na minha decisão de não participar na vida política do País.

É tempo de mudanças das mentalidades, em todos os planos, e eu desejo contribuir firmemente para esta mudança.

À Comunidade Internacional, peço para ajudar o Povo de Timor a acreditar no sistema político que vamos edificar e acreditar na força deste Povo de vencer os mais difíceis obstáculos. Ao querido e mil vezes heróico Povo de Timor Lorosa’e, peço para ter confiança nos vossos filhos mais válidos e, sobretudo, confiança na vossa força de vontade, no poder democrático que todos iremos construir e consolidar, na vivência difícil de um futuro que, acredito, será risonho.

A vós, que entrais na nova Força de Defesa de Timor Lorosa’e, desejo-vos sucessos em todos os níveis. Deveis adquirir não só um espírito profissional, que vos é requerido no Timor Lorosa’e independente, mas também uma capacidade militar ainda maior para proteger as nossas populações de todas as possíveis ameaças de desestabilização.

A vós que deixais definitivamente as FALINTIL, apelo para encarardes o futuro com coragem, com a mesma coragem que encarastes cada ano de luta no mato, sem saberdes nunca quando a guerra terminaria. A memória do nosso Povo não se esquecerá de vos registar nas suas tradições orais e isto valerá mais que qualquer recompensa material. E estarei sempre convosco... como companheiros de sempre, para contarmos as nossas histórias para nós mesmos.

Viva as Gloriosissimas FALINTIL!

Viva a nova FORÇA DE DEFESA DE TIMOR LOROSA’E!

Aileu, 1 de Fevereiro de 2001.          

  KAY RALA XANANA GUSMÃO   

Presidente do CNRT/CN