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FALINTIL

Comandante-em-Chefe

Alocução do

Comandante TAUR MATAN RUAK,
Comandante-em-Chefe
e
Chefe do Estado Maior das FALINTIL

Por ocasião da Cerimónia de Transição das FALINTIL
para a Força de Defesa de Timor-Leste

 Aileu, 1 de Fevereiro de 2001

 
Excelências,

Presidente Kay Rala Xanana Gusmão,

Sérgio Vieira de Mello, Administrador Transitório,

Reverendíssimo Bispo D. Ximenes Belo,

Tenente-General Boonsrang Niumpradiit, Comandante da Força de Manutenção de Paz,

Membros do Conselho Nacional,

Membros do Gabinete de Transição,

Senhora Maria Paixão, Administradora do Distrito de Aileu,

Membros da Direcção do CNRT/CN e dos Partidos Políticos,

Membros do Corpo Diplomático,

População de Aileu,

Senhoras e Senhores,

Valorosos Comandantes e soldados das gloriosíssimas FALINTIL,

Permitam-me que as minhas primeiras palavras sejam uma saudação especial ao Presidente Xanana Gusmão. Connosco viveu o período mais difícil da nossa história. Tal como nós, membros das FALINTIL hoje aqui presentes, foi participante e testemunha do heroísmo das FALINTIL e, tal como nós, conhece bem o significado do papel decisivo que as FALINTIL desempenharam na vitória do Povo de Timor-Leste.

Permitam-me que elabore um pouco sobre a razão desta cerimónia. Ao garantir a vitória do Povo de Timor, as FALINTIL prepararam-se para um novo momento. É esse momento que hoje iniciamos com este acto: a criação da nova força de defesa.

Sim, trata-se de uma nova Força de Defesa, na medida em que a sua estrutura, doutrina, métodos de formação e de actuação, condições de acção e filosofia serão distintas das FALINTIL. Contudo, a semente que germinará a partir de hoje, é a das FALINTIL. O recrutamento levado a cabo para a constituição do primeiro contigente de membros da FDTL foi exclusivamente realizado de entre as fileiras das FALINTIL. Assim também estará garantida a continuidade do espírito das FALINTIL, a herança e o legado da sua história, do seu simbolismo e da sua inquebrantável ligação ao nosso Povo.

A missão da FDTL será a de garantir a defesa da nossa Pátria, do novo Estado soberano de Timor, em total respeito pelas novas instituições democráticas e o poder político democraticamente eleito pelo nosso Povo.

É por esta razão que afirmo: não há vazio! Os receios manifestados de que o hiato da transição iriam significar a dita ‘morte’ das FALINTIL não visam senão desestabilizar a nossa população e criar confusão ao tentar incutir a ideia de que perdem uma das suas principais referências históricas.

Tem havido muita discussão em torno da designação da nossa força de defesa. O nome adoptado até ao momento – Força de Defesa de Timor-Leste – é, obviamente, transitório. As Forças Armadas de Timor-Leste, a instituir no dia da Independência do nosso País, adoptarão a designação e sigla que o poder político democrático e as suas instituições então decidirem.

Volto a reafirmar: não haverá campanha de desestabilização que possa anular a instituição FALINTIL e a sua identidade, fazer apagar o papel que as FALINTIL desempenharam na história da nossa Pátria, que destrua a relação que tem com o nosso Povo, forjada na acção e sofrimento conjuntos. O nosso Povo conhece bem os filhos e as filhas de Timor que combateram nas FALINTIL!

O dia de hoje é histórico porque vivemos uma situação inédita: pela primeira vez, o braço armado de um movimento de libertação torna-se razão para a organização de diversas acções de mobilização da comunidade internacional. Entre elas, destacamos os trabalhos realizados pelos diferentes Instituto de Defesa e de Altos Estudos Militares, de Portugal, e do King’s College, do Reino Unido, bem como a organização de uma conferência internacional de doadores com vista a decidir sobre o apoio a conceder à formação de uma força de defesa nacional. É bom relembrar que a conferência de doadores decidiu a atribuição deste apoio específico à margem das doações que estão a ser canalizadas para os diferentes orçamentos relativos a Timor-Leste. Ao fazê-lo, a comunidade internacional expressou de forma inequívoca a sua confiança e o seu respeito pelas FALINTIL.

A constituição da nova Força de Defesa de Timor-Leste não significa a integração automática de todos os membros das FALINTIL. Foi desenvolvido um programa de selecção que teve em conta não só as necessidades da novo Força como também o desejo pessoal de muitos soldados. O Comando das FALINTIL, o Banco Mundial e a Organização Internacional para as Migrações (OIM) desenvolveram conjuntamente um Programa de Apoio à Reinserção dos soldados das FALINTIL nas suas novas vidas. Os heróicos soldados que iniciarão agora uma nova vida, fazem-no a partir do zero. Muitos viveram os últimos 24 anos longe das famílias ou perderam-nas, não puderam estudar ou receber qualquer tipo de formação que permitisse hoje retomar a vida civil, não tiveram sequer um emprego ou remuneração que lhes permitisse poupar para esse reinicio. A sua heroicidade, a sua dedicação, o sacrifício de tantos e tão difíceis anos, não podiam ser ignorados neste momento. Tudo o que este programa lhes proporcionar será sempre demasiado pouco perante o valor que terão sempre para a nossa Pátria e o nosso Povo.

Existe um outro grupo de anónimos que desejamos hoje aqui referenciar. Tratam-se das viúvas e dos órfãos dos nossos guerrilheiros, bem como dos mutilados em resultado da guerra a que fomos obrigados. Não temos ainda um programa organizado para apoiar este grupo, estamos ainda a desenvolver contactos para conseguir desenhar as formas de apoio dignas que merecem. Contudo, queremos afirmar, com toda a clareza: não sereis esquecidos, pois esquecermos seria esquecer os nossos mártires e heróis!

Desejo dirigir agora uma palavra a todos os que foram seleccionados para iniciar a instrução, comandantes e soldados. Sei pessoalmente que muitos de vós desejavam retomar a vida civil. Após tantos anos de sacrifício, pedimo-vos para continuar a abdicar daquilo que é um direito individual de cada um de vós: o direito a viver em harmonia e paz com os vossos entes mais queridos.

Sabemos que não será fácil para vós iniciar esta nova fase. Mais uma vez, fostes chamados a cumprir um dever pela Pátria. Ireis continuar porque estais conscientes de que a vossa missão ainda não terminou: a estabilização do país ainda não é uma garantia adquirida e as ameaças à nossa Pátria ainda são uma realidade. Esta situação exige o cumprimento do nosso dever supremo de defesa do nosso país e do nosso Povo, de permitir a criação de condições para a formação da nova Nação e do Estado soberano de Timor. Essa responsabilidade não pode ser considerada como responsabilidade exclusiva da comunidade internacional. Enquanto timorenses, essa responsabilidade é, em primeiro lugar, nossa.

Desejo hoje expressar, perante todos, o nosso reconhecimento e respeito por terem aceite permanecer e por demonstrarem, mais uma vez, que o lema das FALINTIL PÁTRIA POVO, continua a ser o nosso lema, o lema de todos e de cada um de vós.

Da mesma forma que consideramos que a nossa missão ainda não terminou e que devemos continuar a exercê-la com o mesmo espírito de disciplina e de responsabilidade que caracteriza as FALINTIL, desejamos igualmente dirigir uma palavra ao nosso Presidente, Kay Rala Xanana Gusmão. Assumistes o comando da nossa luta após o assassinato de tantos dos nossos queridos irmãos e irmãs, de toda a liderança. Lutamos e sofremos juntos, vivemos as lágrimas das vitórias e das derrotas juntos, ensinamos e aprendemos juntos, vivemos o sabor da vitória juntos. Muitas vezes discutimos e conversamos sobre o futuro da nossa Pátria uma vez que fosse libertada. Fizemos planos, expressamos desejos e sonhos ... e fizemos um juramento. Juramos fidelidade ao nosso Povo, à nossa Pátria e à razão porque lutávamos, juramos iniciar um percurso interior dentro de cada um de nós para não ambicionar o poder nem exercê-lo logo que a liberdade nos começasse a chamar a novas responsabilidades. Só nós conhecemos o verdadeiro significado desse juramento, o vínculo inquebrantável que então estabelecemos entre nós.

Em nome das FALINTIL, de todo o comando e de todos os seus soldados, afirmo solenemente que o nosso juramento sagrado continua e continuará a ser respeitado. Contudo, fomos chamados a continuar a nossa missão mesmo que assumindo novas funções e responsabilidades. Nós sentimos que a nossa Pátria ainda precisa de nós! O nosso Povo e todos nós conhecemos o nosso Presidente e vós, Presidente Kay Rala Xanana Gusmão, conheceis o nosso Povo e cada um de nós. Timor terá, num futuro próximo, de escolher o seu Chefe de Estado. A nossa Pátria ainda necessita de Kay Rala Xanana Gusmão, o Povo ainda necessita da liderança, da visão ... e do carinho do nosso Maun Boot!

Ao terminar, não posso deixar de dirigir uma palavra de agradecimento a todos quantos permitiram que este dia fosse uma realidade. À UNTAET e ao conjunto de países doadores da comunidade internacional pelo apoio material e especializado que prestaram e vão continuar a prestar à nova Força de Defesa de Timor-Leste. Por enquanto, a Austrália e Portugal são os principais doadores – o nosso agradecimento sincero por assumirem tão grande responsabilidade e por, assim, demonstrarem a vossa confiança em nós. Não posso deixar de mencionar aqui o nosso reconhecimento ao Comando da Força de Manutenção da Paz, aos Grupo de Observadores e ao Gabinete para o Desenvolvimento da Força de Defesa, em particular ao Senhor Cady.

Durante os anos duros e de enorme sofrimento as nossas FALINTIL sobreviveram e desempenharam o seu papel histórico apesar do isolamento internacional. A Igreja de Timor-Leste compreendeu a nossa missão de uma forma clara e indiscutível. Prestamos aqui uma homenagem especial a Bispo D. Martinho da Costa Lopes pela coragem e força com que sempre defendeu a nossa Pátria e a nossa identidade. Aos nossos Reverendíssimos Bispos de Timor, D. Carlos Ximenes Belo e D. Basílio do Nascimento, a todo o clero e irmãs da Igreja de Timor, o nosso respeito e a expressão sincera e sentida do nosso agradecimento pelas inúmeras vezes que acolheram os nossos feridos, pela força e o encorajamento transmitidos nas calorosas palavras de conforto que haveis pronunciado nos momentos de maior dor e sofrimento.

Por último, a nossa muito sentida homenagem de respeito ao Povo de Timor-Leste pela determinação que inspirou os nossos guerrilheiros, pelo carinho que sempre nos dispensaram ao alimentarem, tratarem e encorajarem os soldados das FALINTIL, pelo heroísmo da resistência que nos inspirou, por nos terem ensinado a ser humildes e a cumprir o dever de defender a nossa Pátria.

JUNTOS LIBERTÁMOS A PÁTRIA, JUNTOS DEFENDEREMOS A PÁTRIA!

Pelo futuro, VIVA A FORÇA DE DEFESA DE TIMOR-LESTE!

VIVA AS FALINTIL!

Taur Matan Ruak