OS GUERRILHEIROS
DO SOL NASCENTE
Eram
1 200 com Taur Matan Ruak, Vice-Comandante das Falintil, os homens e mulheres que fizeram
com o seu povo a guerra em busca da paz, da independência, da liberdade e da dignidade de
Timor-Leste.
Nas montanhas, dedicados de alma e coração à Causa
do Povo Timorense contra o invasor indonésio, sofreram e combateram pelo seu sonho: Loro
Sae. Uma vida de privações, de extrema dureza e de abnegação.
Após o referendo de 30 de Agosto, que legitimou, se
necessário fosse, a sua opção de vida, o Comandante Ruak chorou de dor e alegria. De
dor, quando em certos momentos se viu obrigado, em nome da paz tão desejada, a não
intervir contra as milícias que dizimavam as populações; de alegria, quando Xanana
Gusmão regressou a Timor, vestindo o uniforme das Falintil que usara antes de ter sido
preso pelo agressor. «Viva Timor Loro Sae, Viva o Povo Maubere, Vivam as Falintil!»
Desde então, o Comandante Ruak vive outros sonhos
merecidos, que transparecem no seu olhar estranhamente doce e emocionado: a autonomia do
seu povo, a auto-suficiência, a dignidade, o reinício das actividades sociais e a
reestruturação da nova nação dizimada pela fúria assassina e pela cobiça; a
construção, finalmente, de um Estado independente de facto e de direito, de uma Pátria
reconciliada e de um povo senhor dos seus destinos, com ajudas desinteressadas da
comunidade internacional, dos países amigos, dos movimentos de apoio e de todos aqueles
que possam, nesta fase de transição, participar no acontecimento único que consiste em
fazer renascer das cinzas e da desolação um país novo, com novíssimas esperanças.
Para si próprio, deseja apenas criar uma ONG
destinada aos mutilados de guerra e às viúvas e órfãos dos guerrilheiros das Falintil
mortos em combate. Os senhores da montanha demonstram uma vez mais que as guerras justas
dão ao homem mais humanidade, a resistência mais dignidade e o sonho mais consistência.
Helena Leonor Martinho dos Santos
ENCONTRO COM TAUR MATAN RUAK,
VICE-COMANDANTE DAS FALINTIL
No dia 11 de Dezembro de 1999, o FAF teve a
honra de encontrar o Comandante Ruak
em Lisboa, de com ele trocar impressões e de lhe entregar uma breve mensagem
(além dos fundos até agora recolhidos). Por seu turno, antes de regressar ao seu País,
o Chefe de Estado-Maior das Falintil teve a amabilidade de enviar uma mensagem ao FAF
e a todos os apoiantes da Causa Timorense em Bruxelas (SOS-Timor).
A MENSAGEM DO FAF
O FAF congratula-se com a
visita do Comandante Taur Matan Ruak a Portugal e felicita-o pela recepção do Prémio
dos Direitos Humanos atribuído pela Assembleia da República Portuguesa.
Aproveitamos a ocasião para saudar os valorosos
soldados das Falintil, na pessoa do seu Comandante, e para transmitir ao corajoso povo
irmão de Timor Loro Sae um abraço fraterno e solidário na sua luta pela Paz, pela
Liberdade e pela Independência.
Felicidades para a nova Nação de Timor Loro Sae!
Lisboa, 11 de Dezembro de 1999.
Pelo FAF, Helena Santos
P.S. Gostaríamos que o cheque de 1 milhão de escudos que agora
depositamos nas mãos do Comandante Ruak fosse distribuído pelas viúvas e órfãos dos
guerrilheiros mortos em combate.
*
Pedimos a Taur Matan Ruak que nos dissesse, na
situação actual, o que os Timorenses
esperam dos movimentos de solidariedade, e quais as suas expectativas sobre Timor Loro
Sae.
Eis o que nos escreveu o
Vice-Comandante das Falintil:
Mensagem de Taur Matan Ruak
« UMA JUSTA E MERECIDA HOMENAGEM
AOS HERÓICOS GUERRILHEIROS »
FALINTIL - CNRT / Timor-Leste
Lisboa, 14 de Dezembro de 1999
A todos os Amigos do SOS-Timor/Bruxelas e do Fundo de Apoio às
Falintil:
É uma enorme honra e emoção dirigir-me hoje a
vós, àqueles que mantiveram as Falintil no coração e homenageiam a luta heróica dos
guerrilheiros do Povo de Timor-Leste.
O estabelecimento do vosso Fundo de Apoio
às Falintil é uma justa e merecida homenagem aos heróicos guerrilheiros,
homens e mulheres, que durante 24 anos conduziram a luta do nosso mil vezes heróico Povo
contra a bárbara e assassina invasão e ocupação militares da nossa Pátria,
Timor-Leste.
Os dois membros do Fundo que me
fizeram pessoalmente a entrega das vossas contribuições, D. Helena Santos e Ângelo
Barreto, solicitaram-me que este cheque de um milhão de escudos portugueses
fosse canalizado para uma acção que tivesse por alvo específico os órfãos e viúvas
de guerra.
Comoveu-me de forma muito particular esta vossa
opção. As vítimas mais vulneráveis de qualquer guerra são demasiado frequentemente
esquecidas por todos. Sofrem as consequências mais dramáticas e desumanas das acções
criminosas e raramente são o alvo prioritário das medidas e acções que visam a
reparação de danos e traumas entretanto provocados.
As nossas crianças as sementes mais valiosas de
Timor que irão florir no nosso solo nasceram e viveram toda a sua vida num ambiente de
violência e agressividade. O ocupante tentou impor uma forma de pensamento e doutrina
uniformizadoras que manifestava uma ausência total de valores sociais e humanos,
nomeadamente o do respeito pela vida e o direito a viver. As consequêncies são
dramáticas. Se a este quadro acrescentarmos a situação das crianças que perderam,
nestes longos 24 anos de sofrimento e luta, os elos mais fortes de ligação social os
pais não será difícil olhá-las como um dos sectores sociais que mais carece de
assistência e solidariedade nesta fase de construção da nova Nação de Timor-Leste.
As nossas viúvas merecem o maior respeito de todo o
Povo timorense. Lado a lado com os homens, lutaram disciplinada e abnegadamente pela
libertação da nossa Pátria. Sofreram duplamente. Primeiro pela morte dos seus
companheiros e, não menos doloroso, pela luta incansável pela sobrevivência humana e
garantia de transmissão aos seus filhos de uma cultura e identidade que nos diferencia
tão claramente do invasor e ocupante.
As mulheres de Timor desempenharam, e continuarão a
desempenhar, um papel crucial em todo o desenvolvimento futuro de Timor. Foram as
guerrilheiras heróicas nas fileiras das Falintil, as companheiras doces dos combatentes,
as mães que legaram a cultura e identidade de Timor aos seus filhos, as irmãs
determinadas a lutar.
Enfrentamos inúmeras e enormes tarefas e
responsabilidades neste período de transição que está a ser iniciado com uma primeira
fase de um ano de emergência. É nossa prioridade suprir as necessidades mais básicas do
nosso Povo: a alimentação e abrigo e, simultaneamente, iniciar a reconstrução
nacional.
Já definimos como atitude essencial, nesta primeira
fase, prepararmo-nos, quer do ponto de vista de competência de recursos humanos, quer na
agregação de recursos materiais e financeiros, de forma a não depender exclusivamente
da assistência e ajuda internacionais para alimentar e abrigar a nosso Povo. O nosso
Presidente e Comandante, Kay Rala Xanana Gusmão, tem deixado clara esta mensagem perante
as organizações internacionais e os países amigos que se reúnem para nos apoiar.
A solidariedade internacional é, sem dúvida,
determinante neste fase histórica de Timor-Leste. No entanto, apelamos ao mundo para que
ao Povo de Timor-Leste não sejam somente oferecidas sacas de arroz e/ou rações
alimentares. Necessitamos de alfaias agrícolas, tractores e motocultivadores que permitam
à nossa população iniciar, o mais brevemente passível, o arrotear da terra para a
semear dentro de dois a três meses. Se nos for passível semear até Março do ano 2000,
garantiremos a auto-suficiência alimentar, em arroz e milho, de toda a população
timorense até Junho do ano 2001. Poderão argumentar que, qualitativamente, tal regime
alimentar está longe de ser o adequado. Concordamos. No entanto, não devemos permitir
continuar a dependência alimentar total eternamente e, de igual importância, realçamos
a necessidade de reorganizar as populações de forma a retomar os ritmos e as formas de
organização sociais, de retomar os quotidianos de normalidade, que a destruição e
devastação de Setembro fragmentaram.
Para além da morte e devastação física que
tiveram lugar após a realização da consulta popular, sotremos ainda os efeitos da
destruição de todas as estruturas organizadoras/ /organização estruturante da nossa
sociedade. Tal como afirmou o nosso Comandante e Presidente, Kay Rala Xanana Gusmão: «A
restruturação social, política, económica e humana da sociedade timorense é uma
prioridade que tem de ser encarada a par com a sobrevivência imediata do nosso Povo.»
Existe ainda uma terceira área de acção
prioritária nesta fase: o retorno de TODOS os timorenses à sua Pátria. Permanecem ainda
como reféns nos campos de concentração de Timor ocidental mais de 150.000 timorenses
deslocados à força durante o mês de Setembro. É urgente o seu retorno a Timor-Leste. O
principal objectivo político da sua retenção no lado indonésio da ilha de Timor visa
transmitir ao mundo a percepção de que cerca de um quarto da população timorense não
deseja a independência e contesta os resultados da consulta popular realizada a 30 de
Agosto último. As condições de vida destes reféns são de extrema dureza e privação.
Pedimos a vossa solidariedade, mais uma vez, para exercer toda a pressão junto de
governos e instituições nacionais e internacionais de forma a garantir o regresso, em
condições de segurança, de todos os timorenses retidos em Timor ocidental.
A todos vós que, tantas vezes de forma anónima e
tão discreta, continuam a apoiar tão calorosamente o meu Povo e a nossa Pátria, envio
um Fraternal Abraço.
Taur Matan Ruak, Vice-Comandante das FALINTIL
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