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Vera Cruz
O embrião do cinema nacional

Era uma época de ouro do cinema mundial. Brilhavam em Hollywood astros como Gene Kelly, Katerine Hepburn, Charle Chaplin. E no Brasil? Em termos cinematográficos, o que acontecia em 1949? Haviam os filmes carnavelescos da Atlântida, filmados no Rio de Janeiro. Críticos eram sistematicamente contra esse tipo de filme, que, segundo eles, não tinham qualidade.

Foi aí, que, em 1948, o engenheiro Franco Zampari, liderando um grupo de industriais paulistas, iniciou em São Bernardo do Campo, numa granja situada a 500 metros da Via Anchieta, o projeto que foi o marco da história do cinema brasileiro. A Companhia Cinematográfica Vera Cruz.

Zampari e Francisco Matarazzo Sobrinho, dono das Indústrias Matarazzo, possuíam o gosto pelo inédito, pelo desafio. Motivados pelo espírito de revolução cultural que tomava conta de São Paulo no final da década de 40, os amigos Zampari e Matarazzo fundaram o TBC, Teatro Brasileiro de Comédia.

O grupo que ‘vivia’ o TBC acompanhava também o cinema, principalmente o europeu. O ambiente intelectual que assolava a sociedade paulistana na época, levava-a a considerar as experiências cinematográficas brasileiras. Era preciso um cinema melhor, com mais qualidade técnica e equiparado aos padrões internacionais.

"Eles tinham uma preocupação em fazer um produto que superasse o que então era de baixa qualidade, as Chanchadas de Carnaval da Atlântida", afirma o crítico de cinema José Carlos Avelar. Segundo ele, a Vera Cruz não se preocupava apenas em fazer cinema. "Era todo um processo de adequação da linguagem cinematográfica aos padrões internacionais, preocupando-se com a disciplina da produção, para um produto de qualidade internacional", diz.

Com um capital inicial de 7,5 milhões de Cruzeiros, Zampari e Matarazzo fundaram em 1949 a Vera Cruz. Contrataram os melhores profissionais da época. Um exemplo foi o cineasta Alberto Cavalcanti, que vivia na Europa, além de técnicos ingleses e italianos e grande elenco nacional, como Tônia Carreiro, Mazzaropi, Anselmo Duarte, Ruth de Souza, Marisa Prado, entre outros.

Para o ator e diretor Anselmo Duarte, a Vera Cruz vivia uma outra realidade. " Antes da Vera Cruz, Grande Otelo ganhava 3 mil Cruzeiros, Oscarito ganhava 5 mil. O meu salário que era o melhor, era de 13 mil. Quando vim para a Vera Cruz, vim ganhando 50 mil Cruzeiros".

Os críticos da época diziam que os filmes da Vera Cruz repercutiam um cinema alienado. Mas ela não se preocupava em discutir a realidade social brasileira, como fez mais tarde o Cinema Novo. A Vera Cruz queria mostrar um cinema de qualidade técnica, utilizando fórmulas de gêneros da época, como a comédia, o drama e a aventura. "Tratava-se de encaixar temas brasileiros, como cangaço ou a história de um compositor da MPB, dentro de uma construção cinematográfica de leitura mais fácil para o telespectador", explica Avelar.

Ao todo, foram produzidos 18 filmes e três documentários. Caiçara, Terra é Sempre Terra, Ângela, Tico-Tico no Fubá, Sai da Frente são alguns exemplos dos filmes feitos pela Vera Cruz. Alguns filmes como Sinhá Moça, Tico-Tico no Fubá, O Cangaceiro e Caiçara forma exibidos e premiados no exterior. A Vera Cruz chegou à média de produção de quatro filmes por ano, com o melhor equipamento da época. O custo de produção dos longa-metragens girava entre 200 e 600 mil dólares. Um valor baixo, se comparado com os filmes produzidos em Hollywood na mesma época, que era, em média, 15 milhões de dólares. O filme mais caro produzido pela Vera Cruz – Sinhá Moça – chegou perto dos 600 mil dólares. A crítica da época questionava o custo dos filmes e os cachês pagos aos atores. Afirmavam que era um despropósito para a realidade nacional.

"Nós ganhávamos para aprender", diz o produtor e ator Renato Consorte. Para Tônia Carreiro: "Na Vera Cruz, eu senti que tinha triunfado". Anselmo Duarte: "Lá, sempre foi só alegria". Para o crítico Fernando de Barros: "Tinha tudo para dar certo".

Então, porque não deu?

Pelo mesmo motivo que muitos projetos não dão. Dinheiro. Sempre ele. "Entregaram nossos filmes para a Columbia, e ela queria vender os filmes dela. Era como se a Ford entregasse seus carros para a Chevrolet vender, e o presidente da Chevrolet pegasse o telefone e dissesse: ‘Primeiro, vamos vender os carros da Chevrolet", é o que afirma Anselmo Duarte. Carlos Augusto Calil deu um exemplo nítido do motivo que levou a Vera Cruz à derrocada em seu livro A Vera Cruz o e o mito do cinema industrial. "Ao contabilizar as receitas internas de O cangaceiro (o maior sucesso da Vera Cruz), algo em torno de 30 milhões de Cruzeiros, quantia superior a 1,5 milhão de dólares, Zampari se dá conta de que a divisão da receita era injusta. Cinqüenta por cento são devidos aos exibidores, que nada investiram na produçãon e são os primeiros a receber a sua parte. A outra metade cabe ao distribuidor e ao produtor. Quinze por cento, aproximadamente correspondem à remuneração do distribuidor, no caso a Columbia; cabe à Vera Cruz, então, 10 milhões de Cruzeiros, exatamente o custo do filme. Se o grande sucesso apenas paga as despesas, como sair do buraco?"

Foi assim, como um exemplo de que era possível fazer um cinema de qualidade internacional que a Vera Cruz encerrou um ciclo do cinema nacional em 1954. Mas a Indústria Cinematográfica de hoje, deve, e muito aos empreendedores da Vera Cruz. Com certeza, hoje, todo o cinema nacional é fruto do cinema feito naquela época. A Vera Cruz foi o grande embrião do cinema nacional.

Giovana de Paula