4/8/98
Racionais: a força
do rap fora da mídia

GRUPO QUE VENDEU MAIS DE 500 MIL CÓPIAS DO ÚLTIMO CD
TOCA NO CLOSE UP PLANET E CONCORRE A TRÊS PRÊMIOS NA MTV

Heitor Hui/AE

Mano Brown, KL Jay, Ice Blue e Edy Rock: "Radical é um rico desperdiçar comida enquanto um favelado passa fome"


Sábado à noite. Depois de trabalhar a semana inteira em uma empresa de informática como office-boy, o estudante Antônio Araújo dos Santos Lima, de 16 anos, sai de sua casa no bairro de Sapopemba (na zona leste), pega dois ônibus, vai à sede da Gaviões da Fiel (no centro) e não sabe como fará para voltar por causa do horário. Todo este sacrifício não tem nada relacionado com sua paixão pelo Corinthians. O motivo desta "viagem" é assistir, pela primeira vez, a um show do grupo Racionais MC's.

Assim como Antônio, milhares de jovens da periferia acreditam que o grupo de rap paulistano é muito mais do que um conjunto musical. Para eles, Mano Brown, Ice Blue, Edy Rock e KL Jay são os porta-vozes do subúrbio. Relatam em suas canções aquilo que os jovens negros, de famílias humildes, com pouco estudo e moradores de regiões da violenta periferia paulistana enfrentam em seu dia-a-dia.

Os números sobre o grupo comprovam sua força. Com discurso e atitutes vistas como radicais pela sociedade, os Racionais MC's não precisam da mídia nem de uma grande gravadora para fazer sucesso. O último trabalho do grupo, Sobrevivendo no Inferno (lançado no ano passado pelo selo independente do quarteto Cosa Nostra), vendeu mais de 500 mil cópias em pouco mais de seis meses. O grupo faz, em média, 20 shows por mês cobrando um cachê que varia de R$ 5 mil a R$ 10 mil. Quando o espetáculo é realizado para um público "playboy" – como define o conjunto –, este valor triplica.

Elogiados por Caetano Veloso, Gilberto Gil e Sepultura e virando tese de universitários ou com suas canções servindo de exemplo para discursos no Senado Federal, os Racionais MC's ignoram a mídia. Dificilmente concedem entrevistas, recusam contratos milionários de grandes gravadoras e não aparecem em programas de televisão como Domingão do Faustão ou Domingo Legal, apresentado por Gugu, apesar dos inúmeros convites.

No dia 13, participam da premiação do MTV Video Music Brasil com o clipe para Diário de um Detento (leia trechos da letra ao lado). Nove dias depois, se apresentam no festival Close Up Planet, no Sambódromo, ao lado de Marcelo D2, Nação Zumbi, Prodigy e Björk.

Em entrevista exclusiva ao Jornal da Tarde, Edy Rock e KL Jay falam sobre pirataria, o show no Close Up Planet, a ligação com a periferia, seu próximo disco, a turnê que farão pela Alemanha, França e Estados Unidos e sua relação com a imprensa.

Jornal da Tarde – Vocês venderam mais de 500 mil cópias de Sobrevivendo no Inferno, mas poderiam ter alcançado um número maior se não fosse a pirataria. Como vocês encaram este problema dos CDs falsos?

KL Jay – Este problema é delicado. Sei que nossos discos são pirateados. Acredito que mais de 150 mil discos falsos foram vendidos. Estamos conversando com a nossa distribuidora Zimbabwe para saber que atitude iremos adotar. Talvez nós mesmos iremos recolher estes CDs piratas. Mas também precisamos ver o problema social. O nosso público é formado por pessoas que estão desempregadas ou que ganham um salário baixo. Se na loja o CD custa R$ 20, a solução é comprar um falso por R$ 5. Quem vende CD pirata também não é culpado. Culpado é quem fabrica.

Como vocês explicam o sucesso de venda de Sobrevivendo no Inferno sem o apoio das tevês?

Edy Rock – Desde o tempo em que sonhávamos em gravar nosso primeiro CD já tínhamos a opinião de não aparecer nestes programas que tiram sarro dos grupos. Não iríamos vender nosso som para estes caras. Não somos um produto, somos artistas.

KL Jay – Como eu posso ir ao Gugu se no programa dele só mostra garotas peladas rebolando ou então explorando o bizarro? Ou então na Globo que colaborou com a ditadura militar e que faz com que o povo fique cada vez mais burro? Meus filhos não assistem a programação da Globo. Nossa mídia são os bailes, o boca-a-boca.

Mas vocês gravaram o clipe de Diário de um Detento e aparecem constantemente na MTV.

Edy Rock – A MTV passa batida porque é uma emissora musical. Estamos concorrendo ao prêmio como melhor vídeo de rap, clipe do ano e escolha da audiência. Se ganharmos, será muito bom para divulgar o estilo. O que falta na MTV é passar mais música de preto. Só rola MPB ou rock. Tá faltando rap.

Qual a diferença entre tocar na periferia e em casas noturnas dos Jardins ou em festivais como o Close Up Planet?

KL Jay – Na periferia, a gente toca com prazer porque estamos ao lado do nosso povo. Eles entendem o que os Racionais falam nas letras. No Close Up, quem armou foi o Ice Blue. Vamos tocar lá por causa do dinheiro. Cobramos três vezes mais do que estamos acostumados para tocar neste festival. Vamos lá, pegamos o dinheiro, tocamos e voltamos para a periferia. Os playboys têm de pagar mesmo. Eles devem muito para nós pretos. Foram na África e escravizaram nosso povo que enriqueceu a Europa e a América. Estamos apenas cobrando, legalmente, este dinheiro.

Quando vocês lançaram Sobrevivendo no Inferno, afirmaram que iriam lançar um single com remixes. Como está o projeto?

Edy Rock – O Mano Brown está em estúdio fazendo estes remixes. Já está pronta a versão para Mano na Porta do Bar. O disco sai no fim do ano. Também estamos colocando algumas idéias no papel para gravar nosso próximo CD. Vamos continuar falando da periferia, da violência, da injustiça social, das drogas. Estes problemas rendem muitas letras. Só que mudamos a maneira de contá-los. Também deverá entrar uma música sobre os menores da Febem. A gente toca sempre em várias unidades e um dia um garoto me passou a letra. Lá, eles são tratado pior do que bichos.

Quando o selo Cosa Nostra irá lançar mais discos?

Edy Rock – Vão sair mais dois discos este ano. O Apocalipse 16, que é uma banda gospel, e o RZO, que é de rap. A gente grava os grupos que têm ideologia e competência. Além disso, temos um acordo com uma confecção. Já vendemos mais de 50 mil camisetas com a marca Racionais MC's.

No fim do mês vocês embarcam para a Europa e Estados Unidos para uma turnê. Como serão estes shows?

KL Jay – Vamos tocar em um festival na Alemanha. Seremos os representantes brasileiros lá. Depois iremos à França. A cena de rap de lá é ótima. Vamos aproveitar esta viagem para tentar negociar o lançamento do nosso CD na Europa. Também vamos a Miami fazer alguns shows. Acho que esta viagem internacional será uma recompensa para nós por tudo que fizemos para o rap nacional.

Por causa do discurso e das letras, muitas pessoas acreditam que os Racionais MC's são um grupo radical. Isso é verdade?

KL Jay – Falamos aquilo que a gente pensa e passamos a nossa ideologia. Mas não acho que isso seja ser radical. Radical é ver um playboy passando de Audi e um neguinho sem dinheiro para pegar ônibus. Radical é ver um rico desperdiçando comida no restaurante de luxo e o favelado passando fome. Radical é o burguês roubar e não acontecer nada e o pessoal da periferia ser perseguido pela polícia só porque é preto e pobre. Isso é ser radical. Não os Racionais.

Marcos Filippi


Fale com o JT - variedades@jt.com.br


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