![]() Depois de uma longa espera, chega às lojas esta semana o novo disco dos Racionais MC's, Sobrevivendo no Inferno. O grupo, que em 1994 experimentou o sucesso com Fim de Semana no Parque e Homem na Estrada, voltou em grande forma e sem um pingo de deslumbramento. Seu disco não faz concessões. O encarte tem fotos de gente armada e favelas; as letras trazem uma dose extra de veneno, enumeram amigos mortos, desconfiam dos brancos e odeiam a polícia. Os Racionais continuam soando comoventes e repulsivos ao mesmo tempo. Ainda bem. A primeira grande porrada de Sobrevivendo no Inferno vem em Capítulo 4, Versículo 3 (É o quarto disco dos Racionais, e esta é a terceira faixa). São mais de oito minutos, pontuados do início ao fim por um pianinho sinistro. A voz de Brown, tensa o tempo todo, pinta um quadro desesperado de religião, orgulho racial e ódio de classe: "Não tive pai, não sou herdeiro/Se eu fosse aquele cara que se humilha no sinal/Por menos de um real/Minha chance era pouca/Mas se eu fosse aquele moleque de touca/Que engatilha e enfia o cano dentro da sua boca (...) Seu comercial de TV não me engana/Eu não preciso de status nem fama/Seu carro, sua grana já não me seduz/E nem sua p... de olhos azuis". A segunda grande porrada vem na faixa seguinte, Tô Ouvindo Alguém Me Chamar, que tem formato de balada soul. A letra - a biografia de um bandido que se inspira num colega mais experiente, que depois o acusa de traição - vai crescendo em interesse até o final sangrento e trágico, lembrando Homem na Estrada e revelando o significado do insistente sinal eletrônico que se ouve ao longo dos 11 minutos (É 11 minutos) da canção. Diário de um Detento, sobre o massacre na Casa de Detenção em São Paulo (1992), no qual foram mortos 111 presos, não mede palavras ao apontar um culpado pela chacina; Fórmula Mágica da Paz traz Brown fazendo, aos 27 anos ("contrariando a estatística", já que um negro da periferia, com esta idade, era para estar morto), um balanço da vida na extrema zona sul paulistana, na qual todos os sonhos parecem acabar sob a terra dura do Cemitério São Luís. Sobrevivendo no Inferno tem outras dez faixas. Todas são, no mínimo, boas. O disco fecha com Salve, uma espécie de vinheta na qual o grupo faz a tradicional saudação a bairros humildes. Nela, citam Campanário (Diadema), Jardim Calux (São Bernardo) e Vila Industrial (Santo André). Racionais é música com gosto de sangue na boca, e Sobrevivendo no Inferno é um dos poucos discos importantes lançados este ano no Brasil - porque este é um país no qual a massa passa o domingo decidindo entre Gugu e Faustão, e a inteligência (a mídia incluída) ainda fica de quatro para Caetano Veloso; é um país que odeia e discrimina quem o construiu. A reação não podia ser mais justa. Cláudio Luis de Souza, editor assistente e crítico de música do caderno Cultura & Lazer do Diário do Grande ABC.
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