Pedro Lucas, 30/06/90, Rio de Janeiro. Sem dilatação, cesária, complicações com a anestesia.

Depoimento da mãe, Marisa.

A gravidez correu sem problemas após um início meio tumultuado. Eu sempre me interessei pelo parto de cócoras mas não conhecia nenhum obstetra que o fizesse e, estando grávida e desempregada, senti-me na obrigação de "aproveitar o convênio" e escolher um obstetra credenciado. Corri atrás de indicações e lá fui eu, cheia de insegurança, medos e incertezas. Na sala de espera estantes repletas de livros sobre cesarianas já me deixaram preocupada. O médico foi extremamente frio e pouco receptivo às minhas preocupações e medos. Pelo contrário, amedrontou-me ainda mais ao dizer que eu deveria preparar-me para uma cesariana, que parto normal era muito difícil, etc. e tal. Saí do consultório arrasada. Cheguei em casa aos prantos e decidida a ter meu filho sozinha, em casa, para não ter que me submeter ao tratamento desumano do médico. Fernando, meu marido, queria ir lá tirar satisfações com o médico mas decidiu ligar para o Dr. Fernando Estelita Lins, um dos pioneiros do parto de cócoras no Brasil. Procurou o nome dele no catálogo, discou (era mais de meia-noite) e perguntou se ele fazia parto de cócoras. Diante da resposta afirmativa explicou o acontecido e ele mandou-nos marcar consulta para a próxima semana. No dia marcado estava lá. Nossa, que diferença! Fui recebida com carinho, respeito, calma e atenção. Estava decidido. Ele seria nosso médico.

Era dia 30 de junho e minha data provável de parto era dia 1º de agosto. No meio da tarde saiu meu tampão mucoso mas sentia apenas contrações espaçadas e indolores (de treinamento). Fernando chegou da faculdade e me convenceu a ir dar uma caminhada. À noite implorei a ele que pegasse a filmadora que um amigo emprestaria para filmar o parto e apesar dele achar bobagem atendeu a meu pedido. Armando (o amigo) veio trazer a filmadora e enquanto estava lá em casa rompeu a bolsa, eram 8:00 horas da noite. Ligamos para o Dr. Estelita que deu o número de sua assistente Dra. Marília para qualquer comunicação e marcou conosco, em princípio, às 8 horas da manhã na maternidade. E as contrações estavam fracas, curtas e espaçadas. Só se intensificavam um pouco quando eu ficava de cócoras. Comecei a ficar nervosa com a falta de progresso do trabalho de parto e resolvemos chamar a Fadinha, nosso Anjo da Guarda.

Ela trabalha com gestantes há mais de 20 anos. Gerencia o Instituto Aurora de Ioga e Terapias e faz o acompanhamento do parto quando solicitado. Ela tem o coração de ouro e é a responsável por eu estar trabalhando com grávidas hoje. A Fadinha usou várias técnicas para melhorar o trabalho de parto e nada. Às 5 da manhã resolvi ir para o hospital pois já estava no meu limite e sentia que as coisas não estavam caminhando. Ao chegar lá Dra. Marília me examinou e constatou o que eu temia — o colo estava grosso, o bebê alto e havia apenas 1 cm de dilatação. Disse-nos para continuarmos nosso "trabalho" enquanto esperávamos pelo Dr. Estelita.

Ele chegou por volta de 9 horas e, ao me examinar, a situação continuava a mesma; resolveu checar a proporção entre minha bacia e a cabeça do bebê; foi horrível e dolorido. Como não havia desproporção, apesar de achar inútil, resolveu tentar induzir o trabalho de parto com ocitocina no soro. Eu estava em pânico, já sentia o bisturi se aproximando da minha barriga. As contrações vieram, não tão ruins quanto eu esperava, e após uma hora o quadro era o mesmo. Eu já estava muito cansada e fiquei deitada durante o tempo da indução. Dr. Estelita, com muito carinho, indicou a cesariana; o risco de infecção já era grande e ele não estava vendo outra saída. Chorei convulsivamente de medo, decepção, tristeza e cansaço. O único que destoava da equipe sempre carinhosa e amiga era o anestesista que parecia querer dar um fim naquilo e resolver logo o problema, sendo muito pouco sensível ao meu pavor de injeção e da anestesia peridural. O Dr. Estelita chegou a cogitar uma anestesia geral o que foi vetado pelo anestesista e por mim. Apesar do medo, queria participar do nascimento do meu filho já que seria uma cesariana humanizada. Eram 11:30 quando me levaram para o Centro Cirúrgico. O Fernando foi se trocar e ainda não havia chegado ao meu lado quando começaram a querer aplicar a anestesia, chamei por ele, ele chegou e disse que minha mãe já estava lá fora, a Dra. Marília me elogiou dizendo que apesar do medo tinha ficado imóvel para a aplicação da peridural. É a última coisa de que me lembro. Senti uma sensação estranha e tudo escureceu, lembro-me de sentir raiva do anestesista (eu achei que ele estava me "apagando" porque eu estava muito nervosa) e tentar gritar "não".

Agora conto o que me contaram: após a administração do anestésico entrei em convulsão, o anestesista usou medicamentos para combater as convulsões e usou anestesia geral (não havia tempo para deixar a peridural fazer efeito, era preciso retirar o bebê o mais rapidamente possível). Como tive parada respiratória foi preciso me entubar e usar medicamentos para recuperar meus batimentos cardíacos que haviam abaixado. Assim, não pude participar do nascimento do Pedro Lucas da forma que gostaria. A minha recuperação foi excelente. Acordei 3 horas depois do nascimento, pedi para ficar com meu filho, cuidei dele, amamentei e na manhã seguinte, logo cedo, tomei banho sozinha. Meu médico, ao chegar e me ver sentada na cama, de pernas cruzadas, amamentando, perguntou como eu me sentia. Eu respondi que fisicamente estava bem, mas psicologicamente péssima. Ele perguntou também se eu queria ir para casa, ao que respondi afirmativamente. Chegamos em casa antes de Pedro Lucas completar 24 horas de nascido.

Depoimento do pai, Fernando.

Quando ela tomava a anestesia percebi que embolou as palavras ao tentar dizer algo; chamei a atenção da médica a meu lado (acho que era a Dra. Marília), que avisou incontinenti o anestesista — "É convulsão" . Hoje, 8 anos depois, lembro de ter chutado a filmadora para escanteio e voltado correndo à ante-sala, onde o Dr. Estelita e sua mulher, a pediatra Dra. Marta, terminavam a ascepsia, avisando-os do ocorrido. Não queria perguntar muita coisa para não ser notado (e convidado a sair). Mas registrei que o procedimento necessário era tirar o bebê rápido. Fiquei na cabeceira, do lado oposto do anestesista, acompanhando imóvel e silencioso o seu trabalho. Eu só rezava e procurava avaliar nos olhos e gestos de toda a equipe, sobretudo do anestesista, o nível de tensão. Era angustiante ver o trabalho incessante do Dr. Gomide, o anestesista, que demonstrava muita atenção e segurança a cada decisão (e não foram poucas), mas com indisfarçável tensão. Eu dizia a mim mesmo que tudo estava nas mãos de Deus e deles, e que todos ali eram bons profissionais, e pedia a Deus por cada um deles.

Quando reparei em Pedro Lucas ele já havia nascido havia uns 10 minutos, e a Dra. Marta me disse que estava tudo bem com ele. O Dr. Estelita estava bastante impressionado com o que classificou como Útero Di-Delfos. "Então foi por isso..." Dizia ele. E chamou-me para ver, o que recusei com um gesto. Ele insistia, mas a outra médica (acho que a Dra. Marta) dizia "Ele não quer ver, Fernando". Percebi que a insistência era como a de um professor, ilustrando um caso raro, cujos detalhes ele analisava com grande interesse, junto com sua colega, enquanto executava os demais procedimentos necessários, até a sutura.

A essa altura eu havia relaxado um pouco, com as notícias do Pedro Lucas e o relaxamento dos médicos, incluindo o anestesista. Mas como eu não tinha certeza se esse relaxamento era por ter terminado tudo bem ou, simplesmente, por ter terminado, rompi meu silêncio e perguntei ao Dr. Gomide se haveria seqüelas para ela. Ele, com bastante profissionalismo, respondeu-me que só iria embora depois que ela "voltasse". Gostei da franqueza, pois percebi que os médicos tinham praticamente certeza de que estava tudo bem, mas que ele, em particular, estava assumindo a responsabilidade de avaliar isso de forma segura e inequívoca. E foi o que fez, só se retirando depois de testar reflexos e dar seu diagóstico conclusivo de que tudo estava bem, muito tempo depois que todos já tinham ido embora.

* * *

A saída da Casa de Saúde, Marisa já contou. Mas o que ela não mencionou foi que sua depressão foi muito além do que se reporta como depressão pós-parto, com um período agudo que se estendeu por quase um ano. Como agravante, o Dr. Estelita teve de usar de toda a franqueza, diante de nossa insistência, explicando que um parto normal, no futuro, seria até possível, mas não provável, devido à dinâmica das contrações em um Útero Di-Delfos. Poderíamos até ter alguma dificuldade em engravidar. Foi bom ele ter sido honesto, mesmo querendo ser amável, pois de nada adiantaria sair de uma crise com falsas esperanças. Estou convencido de ele a opinião dele estava muito bem fundamentada em um sólido conhecimento e anos de experiência. Mas não tivemos dificuldade para engravidar de

André Matheus,
que nasceu de parto normal 4 anos depois, graças a Deus;

Marcos Thiago,
que nasceu de parto de cócoras 7 anos depois da cesárea do Pedro; e

Fernando Luís,
que, 11 anos depois do Pedro, chegou ao mundo apressado, com apenas 33 semanas...

Mas essas são outras estórias...

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