PONTO DE MUTAÇÃO - RESENHA Desde 1637, quando René Descartes publicou o famoso Discurso sobre o Método, temos a visão de um mundo mecanicista, onde para entender um determinado sistema, era preciso desmontá-lo nos mais irredutíveis pedaços e analisar as partes em separado. Esta visão cartesiana da realidade foi a base para a obra de Isaac Newton, que para época, descrevia a realidade por completo. Newton contribui intelectualmente para humanidade como jamais nenhum outro homem fizera. Criador do Cálculo, da Gravitação, Óptica, ele simplesmente destrinchou a explicação da natureza em todos os aspectos, e para completar institui as 3 leis fundamentais da física, que foram o Santo Graal da ciência por mais de 300 anos. Esta linha de raciocínio foi esmagadora na época, pois ela descrevia tudo, e chegou a ser dito em uma conferência de cientistas no final do século XIX: “Tudo que precisamos é acrescentar alguns zeros a mais nos cálculos, e estará tudo explicado”. A influência de Newton e Descartes ultrapassou a física e influenciou nas artes, política e a sociedade como um todo. Pode-se tomar como exemplo a Administração científica de Taylor, onde temos acima de tudo a imagem de um homem mecanicista. Ou seja, todos estavam embriagados com racionalismo materialista do século XVII. Foi em 1900 quando o físico alemão Max Planck criou a teoria dos quanta de energia que a ciência começou a mudar. Assim, com a ajuda de Niels Bohr e Albert Einstein, teve início a física quântica, que propõe uma visão de um Universo em constante transformação, como se fosse um grande sistema. Não podendo separá-lo em partes para tentar deduzir seu funcionamento. A harmonia é imprescindível para o funcionamento do Todo. Por exemplo, pode-se pegar um carro e desmontá-lo até deixar separado peça por peça. Porém ele não vai ligar se estiver separado. Ele só vai ligar quando o conjunto estiver trabalhando, quando cada peça estiver funcionando uma harmonicamente com a outra. Para citar outro exemplo, pegue uma minhoca viva e uma minhoca morta, ambas têm as mesmas “partes”, os mesmos órgãos, a mesma estrutura, e um número equivalente de células. A diferença consiste em que uma está “funcionando” e a outra não. Assim como o carro e a minhoca, ambos os sistemas só tem vida quando estão trabalhando em conjunto. Segundo a teoria quântica, um sistema é algo “orgânico”, dinâmico, e com vida, onde cada peça exerce sua influência sobre as outras. Esse é o cerne do diálogo ocorrido no filme o Ponto de Mutação de 1992, dirigido por Bernt Capra, irmão do aclamado PhD em Física Quântica Fritjof Capra, escritor do famoso livro “O Tao da Física” de 1975 e autor de “O ponto de Mutação” no qual a adaptação para as telas foi baseada. Um castelo em um vilarejo francês é o palco para discussão entre uma brilhante física (Sonia Hoffman) que abandonou sua profissão quando soube que a sua tecnologia de pesquisa, os micro-lasers estava sendo usada no projeto Guerra nas Estrelas dos Estados Unidos; um político (Jack Edwards) candidato à presidência dos EUA, e um poeta (Thomas Harrimann) recém separado de sua mulher, cansado da agitação de Nova York. Durante os 110 minutos de filme somos convidados a participar da discussão entre os três personagens, cada um com sua visão de mundo. A cientista Sonia Hoffman, com uma visão holística da realidade (idéia de que as propriedades de um sistema não podem ser explicadas apenas pela soma de seus componentes), nos mostra o quão o importe foi o pensamento cartesiano de Descartes e Newton, porém não mais úteis em nossa sociedade. É então explicado o comportamento harmonioso dos átomos e como a Física Quântica trata a realidade como uma grande dança, onde cada parte influência a outra, como um grande sistema aberto. A visão do mundo como um grande sistema, conforme é mostrado no filme seria de uma grande utilidade para sociedade como um todo. Ao serem debatidos os problemas atuais da nossa sociedade os personagens aos poucos notam que ao passo que eles tenham uma percepção diferente de como o mundo deveria ser, eles não aplicavam ela em suas próprias vidas. A cientista Sônia não consegue ter uma relação saudável com sua própria filha, embora tenha descrito espetacularmente como os sistemas se interagem. O político Jack não sabe como vai integrar a política com a incrível visão de mundo recém proposta por Sônia, e Thomas, o poeta, assim como sua nova amiga cientista é um “fugitivo”, sem pretensões de voltar a desempenhar seu papel social. E nessa situação o poeta Thomas recita Pablo Neruda, dizendo que ao buscar respostas para os problemas do mundo, eles recaíram sobre as perguntas que tinham dentro de si. Durante quase 2 horas, vemos que tudo é uma questão perspectiva, é visto que a visão cartesiana do mundo está ultrapassada, e como o político Jack disse, ao parafrasear Thomas Jefferson: “É tolo a sociedade apegar-se a velhas idéias em novos tempos. Como é tolo um homem tentar vestir suas roupas de criança”. É um filme indicado a um público politizado, com senso crítico que esteja disposto a repensar sua visão de mundo. É um ótimo convite a conhecer a abordagem sistêmica, que está começando a ser utilizada ultimamente, inclusive dentro da própria Administração. A teoria dos sistemas é a mais atual e elegante das teorias e pode levar à aplicações práticas na realidade empírica. E acima de tudo, pode nos levar a unificação tão necessária da educação científica.