A Revolta de Ezequias contra Senaqueribe


Por Daniel John Clark

1.0 Introdução
2.0 Análise das fontes históricas à nossa disposição
3.0 O Império Assírio
4.0 História do Reino de Judá antes do Reinado de Ezequias
5.0 O Reinado de Ezequias até a revolta contra o império Assírio
6.0 Características da Reforma de Ezequias
7.0 A Primeira Tentação para a revolta
8.0 Ezequias se revolta
9.0 O Destino da cidade de Jerusalém
10.0 O Livramento Miraculoso da Cidade de Jerusalém
11.0 Consequências da Revolta de Ezequias
12.0 Conclusão
13.0 Bibliografia

1.0 Introdução

 

O livro de Reis apresenta-se como um dos principais livros da Bíblia . Nela

encontramos a história da primeira vez em que Israel se formou como uma nação , e depois como duas .

Durante o período narrado pelo livro de Reis encontramos muitos dos principais personagems da história de

Israel , em especial os grandes profetas como Elias , Eliseu , Isaías , Jeremias etc . .. .

O livro de Reis é belo pelo seu lado humano . Nela vemos duas pequenas nações

lutando pela sua sobrevivência num ambiente hostil . Cercados por inimigos próximos e presos entre os

grandes impérios da época as chances de independência sempre seriam pequenas . Portanto as lutas e

batalhas de figuras como Jeú , Ezequias e Josias adquiram o ar de tragédia , pois ao lemos as suas histórias

nós já sabemos que a despeito da coragem e valentia presente esses homens nunca terão sucesso .

O livro de Reis é profundo pelo seu lado religioso . Percebemos a sobrevivência

da fé Iavista em meio a situações adversas . A fé sobrevive às tentativas de sincretismo com o baalismo , ao

domínio assírio , até mesmo à queda das nações de Israel e Judá , sobrevivendo mesmo frente ao exílio

babilônico . O livro de Reis narra o milagre da intervenção de Deus para a sobrevivência da verdadeira fé .

Porém o livro de Reis tem sido desprezado pela teologia brasileira . Gostamos

das histórias de vitória , dos heroís da Bíblia mas não temos paciência para aprender das histórias de

fracasso , para atentarmos à profundidade das figuras trágicas desse livro . Existe uma grande dificuldade

de encontrar qualquer comentário específico a respeito do livro deReis , o único ao qual eu tive acesso foi

um comentário publicado pela Juerp de Antônio Neves de Mesquita . Nisso estamos seguindo uma tradição

que volta pelo menos ao missionário ariano Úfilas que ao evangelizar os povos barbáros evitou incluir o

livro de Reis na sua tradução do Antigo Testamento , temendo o efeito das muitas histórias de batalhas

sobre um povo guerreiro !

Portanto esse trabalho buscamos dar nossa contribuição muito pequena ao

estudo do livro de Reis em português focalizando em apenas um episódio desse livro : a revolta de

Ezequias contra Senaqueribe .

 

2.0 Análise das fontes históricas à nossa disposição

Ao realizarmos uma pesquisa histórica , torna-se necessário avaliar as fontes

históricas a nossa disposição , tanto as fontes bíblicas quanto as fontes não bíblicas .

 

2.1 Fontes Bíblicas

 

A revolta de Ezequias é narrada em três livros bíblicos : II Reis , II Crônicas e

Isaías . Portanto uma análise desses três livros como fontes históricas é necessária .

 

2.1.1 II Reis

O livro de II Reis faz parte da mesma obra que o livro de I Reis . A razão da

obra ser dividida vem como consequência da tradução grega , chamada de Septuaginta ( LXX) . Como no

grego foram acrescentadas vogais que não consistiam no original , foram necessários dois rolos e não

apenas um como no hebraico . Como afirma Douglas não existem evidências seguras para precisarmos

a relação entre o livro de Reis e Samuel , apesar de alguns autores considerarem ambos partes de uma

mesma obra .

 

2.1.1.1 Autoria

 

Visão Conservadora

 

A visão mais tradicional está contido na Mishnah ( Baba Bathra 15a ) que identifica

Jeremias como o autor do livro .Apesar da defesa feita por Ellisen e Archer, Jr tal visão é pouco provável

porque :

  1. Jeremias , alienado da corte de Judá nos reinos de Jeoaquiam e Zedequias dificilmente teria tido
  2. acesso às fontes históricas da qual a obra é composta .

     

  3. A obra mostra um apego à centralização do culto em Jerusalém que não identifica-se com
  4. Jeremias pois esse era de uma familia sacerdotal identificada com o santuário antigo de Siló , e

    caracterizava-se por críticas ao culto no templo de Jerusalém .

     

  5. O livro termina com a libertação do rei Joaquim pelos babilônios em 562-561 , e Jeremias teria 86

anos nessa época .

 

Uma visão mais moderada é apresentada por Douglas que afirma :

"O autor desconhecido sem dúvida foi um contemporâneo de Jeremias , que viveu sob as mesmas influências e que tal qual ele , era um profeta."

 

Visão Liberal

 

A visão liberal a respeito da autoria do Livro de Reis é dividido por Sellin-Fohrer em

três principais correntes .

  1. Um original antigo do livro de Reis , consistindo de três fontes básicas , teria sido editado e

redigido por uma escola deuteronomista que intepretava a história de Israel conforme o conteúdo do Livro de Deuteronômio .

  1. O livro de Reis teria atingido sua primeira forma no Séc VIII a.C como uma obra da corte de Judá
  2. defendendo a continuidade da dinastia judaica em relação à instabilidade no Reino do Norte . Essa obra

    teria sido unificada no Séc VII a.C com uma análise da história de Judá , desde Salomão até Manassés .

    Haveria finalmente duas redações do livro , uma primeira de uma perspectiva sacerdotal logo após a

    destruição de Jerusalém , e outra realizada por um discípulo de Jeremias em Masfa acrescentando as

    histórias a respeito dos profetas e um julgamento da história de Israel baseado no livro de Deuteronômio .

  3. O livro de Reis é obra de um redator , ou redatores , deuteronomistas que analisaram e

intepretaram as suas fontes históricas conforme a sua posição teológica .

Nesse trabalho será adotado uma perspectiva conservadora moderada , que defende a

autoria por um contemporâneo de Jeremias e uma subsequente edição , possivelmente deuteronomista ,

mas que não mudou o conteúdo básico do livro .

2.1.1.2 Fontes Históricas

Uma das caracterísitcas importantes do livro de Reis é a citação das fontes históricas

utilizadas pelo autor . Em relação ao reinado de Ezequias e o cerco de Senaqueribe temos a seguinte

afirmação :

Ora, o restante dos atos de Ezequias, e todo o seu poder, e como fez a piscina e o aqueduto, e como fez vir a água para a cidade, porventura não estão escritos no livro das crônicas dos reis de Judá? (II Reis 20:20)

Portanto para o período que estamos analisando temos a utilização de pelo menos uma

fonte primária : um livro de corte contendo as ações dos diversos reis de Judá . Outra fonte primária

disponível ao autor de Reis teria sido o Livro do Profeta Isaías , apesar de não haver concordância entre

estudiosos sobre o estado da composição de Isaías na época da redação do Livro de Reis .

2.1.1.3 Valor Histórico

Visão Conservadora

Aceitando a inspiração e a autoridade do texto bíblico , historiadores conservadores

aceitam o Livro de Reis como uma fonte histórica fidedigna desse período . Isso não significa uma

aceitação ingênua do livro pois esses autores reconhecem que a historigrafia primitiva era de uma natureza

diferente da nossa e não exigia o mesmo rigor que é exigido modernamente . Todavia esses autores aceitam

os fatos e eventos narrados no livro como sendo verdadeiros .

Visão Liberal

A visão liberal é registrada por Sellin-Fohrer que afirma

"O valor histórico dos livros dos Reis se acha determinado pelo fato de que os seus redatores utilizaram-se de fontes históricas fidedignas , como também de tradições proféticas que têm um pano de fundo pelo menos parcialmente histórico . Embora com isto tenham sido conservadas preciosas notícias … uma parte ainda maior da revisão deuteronomista da história foi sacrificada e se perdeu de modo irrecuperável , juntamente com as antigas fontes históricas."

 

Em outras palavras o livro é fidedigno na medida em que apresenta as suas fontes de

maneira irretocada , quando entra uma suposta edição deuteronomista isso deve ser desprezado como fazem

autores como Donner . Todavia tal visão apresenta as seguintes limitações :

 

  1. Não existe evidência para afirmar que a introdução de uma perspectiva teológica precisa

necessariamente acarretar num enfraquecimento do valor histórico de uma obra , especialmente se

observamos que sempre há uma perspectiva teológica nas obras dos próprios autores liberais .

(ii) Não existe evidência externa ao texto para a existência de uma escola deuteronomista para editar

o texto de II Reis e as evidências internas são contestadas por vários autores e mesmo aqueles que

concordam com a tese de uma edição deuteronomista não concordam sobre quais textos deveriam ser

rejeitados como consequência dessa edição .

Portanto nesse trabalho iremos aceitar a fidedignidade histórica do Livro de Reis mesmo

aceitando que ele , pela sua natureza antiga , não atende a todas as exigências da historiografia moderna .

2.1.2 O Livro de Crônicas

O livro de Crônicas é posterior ao exílio e para o período que estamos

investigando utilizou o Livro de Reis , e outras fontes . Como a narrativa da revolta de Ezequias no

capítulo 32 encontra-se numa forma resumida em relação ao livro de Reis a sua utilidade para nós como

fonte histórica para o episódio desse trabalho encontra-se reduzida . Naturalmente isso não afeta de

qualquer modo a inspiração desse livro .

2.1.3 O Livro de Isaías 36-37

 

Nessa seção do livro profético temos uma narrativa a respeito da revolta de

Ezequias . O valor dessa narrativa como fonte histórica está ligado à questão de sua autoria :

(i) Ellisen afirma que essas passagens forma escritas por Isaías , portanto constituíem uma fonte histórica

mais antiga que o livro de Reis e de valor imensurável .

(ii) Auneau defende que essas passagens foram compostas pelos discípulos de Isaías para tornar a obra de

seu mestre mais compreensível . Dessa forma essas passagens continuam sendo uma fonte mais antiga do

que o livro de Reis , e provavelmente tenham sido utilizadas pelo escritor dessa obra .

(iii) Smith defende que essas passagens são um apêndice histórico , mais novas do que o livro de Reis e

basicamente influenciadas por ele .

De qualquer modo esse trecho não pode ser descartado em qualquer analise do

episódio ocorrido .

Existem também profecias no Livro de Isaías que referem a esse período , esses

serão analisadas ao consideramos o papel de Isaías nesse episódio .

2.2 Fontes Extra-Bíblicas

 

Em relação às fontes extra-bíblicas as nossas principais fontes são :

  1. Trecho de Sargon II sobre a revolta liderada por Azuri , rei de Ashdod .
  2. Carta de um funcionário à Sargon II na qual ele afirma ter recebido o tributo pago por Judá .
  3. Narrativa escrita por Senaqueribe sobre sua invasão da Palestina e o cerco de Jerusalém ( 701)
  4. Um conto babilônico a respeito da morte de Senaqueribe ( 681)

Durante esse trabalho iremos , aonde necessário integrar e comparar esse

material com a narrativa bíblica .

3.0 O Império Assírio

 

O principal império do período que estamos estudando , o império Assírio é

muitas vezes um ilustre desconhecido pelos estudantes do Velho Testamento .

3.1 Localização

 

O nome Assíria no hebraico é ashsur e referia-se originalmente à cidade de

Assur , a mais antiga das cidades Assírias localizada na margem direita do rio Tigre . Posteriormente esse

termo veio a ser aplicado em relação ao distrito que cercava a cidade de Assur e a população que morava

nela . A despeito de não ter nenhuma proteção natural e estar localizadas entre as regiãos da Babilônia , do

Elão , da Média e de Urarutu a Assíria conseguiu durante um longo período manter a hegemonia na região .

3.2 História Antiga

 

As origens da Assíria são obscuras e nesse trabalho poderemos dar apenas algumas pinceladas :

2350 Provavelmente nesse período a Assíria estaria sobre o domínio acádico de Sargão de Acad.

2050-1950 A Assíria estava sobre o domínio dos reis de Ur .

1950-1830 Domínio dos reis de Isin e Larsa .

1830-1749 Período de independência

1749-1717 Domínio dos invasores amorreus liderados por Shamshi-Adad I

1717- ???? Amorreus derrotados por Hamurabi da Babilônia , a Assíria torna-se parte do império

Babilônico .

Século XVI Após conquistar a sua independência da Babilônia a Assíria é conquistado pelo império

Mittani . Depois do império Mittani cair sobre os heteus a Assíria conquista sua independência sobre a

direção de Eriba-Adad .

1363-1328 Reinado de Assur-Ubalit que fez da Babilônia um reino vassalo .

1305-1274 Adad-Nirari torna o império Assírio uma realidade conquistando , além da Babilônia ,

Harran e Carquemis .

1273-1244 Sobre Salmanasar I a Assíria expande e domina Urartu.

    1. O sucessor de Salmanasar , Tukulti-Ninurta , expande mais ainda o império mais é

assassinado pelos seu filho Assurdinapli que não consegue manter a força da Assíria que torna-se um reino

vassalo da Babilônia .

Séculos XIII-XII Período obscuro em que todas as grandes potências sofrem com as invasões dos povos do

mar vindos do Mar Egeu e dos Balcãs .

3.3 Período Recente até a época de Ezequias

 

A Assíria foi a primeira das grandes potências a se re-erguer após a devastação

promovida pelos povos do mar .Sob Tiglate Pilaser I (1117-1077) a Assíria conseguiu conquistar

a Mesopotamia Superior , a Babilônia e alcançar as cidades da costa mediterrânea ,recebendo tributos de

Sidom , Biblos e Arvade . Todavia Pileser teve que enfrentar grandes combates contra os arameus e nos

reinados dos seus sucessores sugiram estados autônomos nos territórios dominados , inclusive na Babilônia.

Foi com Adadnarari II ( 912-891) que aquilo que os historiadores chamam do império

néo-assírio teve o seu início e com o seu sucessores Tuculti-Ninurta II (891-884) e Assurnasipal II ( 884-

858) a hegemonia assíria na região da Mesopotamia foi assegurada . Sob Salmaneser III ( 858-824) o

império Assírio penetrou , mesmo sem ser de forma permanente , na região da Síria Central sendo que até

mesmo o rei de Israel , Jéu , viu-se obrigado a pagar tributo a Salmaneser III .

Após um període de instabilidade foi sobre Tiglate Pileser III ( 745-727) que o império

Assírio penetra na região da Palestina , sendo que até mesmo Judá , sob Acaz , torna-se um estado vassalo .

Sob Salmaneser V ( 727-722) , Sargom II ( 722-705) e Senequeribe ( 705-681) todo o Oriente Próximo foi

unido sob o império Assírio . Salmaneser V e Sargom II foram responsáveis pela queda do Reino de Israel

e Senequeribe pelo ataque a Judá e a Jerusalem .

 

3.4 O Relacionamento do Império Assírio com os povos subjugados

Os assírios eram notórios pela crueldade com que tratavam os exércitos e povos

inimigos . Segundo Herbert Donner :

"As unidades de tropas assírias foram , durante séculos , o pavor dos povos do Oriente Antigo"

Essa visão é confirmada por Ellisen que em relação aos habitantes de Níneve

afirma :

"Viviam de saques e orgulhavam-se dos montes de cabeças humanas que traziam de violentas pilhagens de

outras cidades."

O tratamento dos povos subjugados pelo império Assírio , após Tiglate-Pileser

III , passava por três estágios :

  1. Nesse estágio os vassalos eram obrigados a pagar tributos regulares ao império Assírio .
  2. Qualquer suspeita de conspiração antiassíria por parte do vassalo resultava em intervenção militar
  3. e a eliminação da dinastia infiel e a instalação de uma dinastia pró-assíria . Poderia também

    ocorrer reduções drásticas do território .

  4. Qualquer nova suspeita em relação à lealdade do vassalo resultava na eliminação da dinastia

rebelde , o fim da autonomia política do estado , a deportação da elite nativa e a instalação de um

administrador nativo com um corpo necessário de funcionários . Também era praticado o

assentamento de povos estrangeiros na região .

 

3.5 Religião e Cultura

O deus nacional chamava-se Assur tendo o seu templo principal na cidade do

mesmo nome . O rei era considerado o regente de Assur e relatava as suas atividades a este . A religião

assíria era fortemente influenciada pela religião babilônica sendo que cada cidade teria uma divindade que

seria responsável pelos seus interesses .

Culturamente os assírios sempre se consideraram inferiores aos babilônios e por

esse motivo moldaram a sua cultura tendo como base a cultura babilônica . Isso refletia-se nas duas

linguagens usadas nos documentos encontrados desse período : a linguagem assíria semítica e o idioma

babilônico , sendo que as diferenças entre as duas eram principalmente dialéticas .

 

4.0 História do Reino de Judá antes do Reinado de Ezequias

Após o fracasso do benjamita Saul a monarquia unida teve os reinados

prósperos de Davi e Salomão , que aproveitaram o enfraquecimento dos grandes impérios da época para

extender as fronteiras do reino de Israel . Todavia no fim do reinado de Davi e no reinado de Salomão a

estrutura política do reinado passou cada vez mais a ser uma opressão do sul , Judá , sobre as tribos do

Norte . Com a morte de Salomão ocorre a divisão do reino unido , as tribos do Norte proclamam Jeroboão

rei , enquanto Judá e Benjamin continuam fiel ao filho de Salomão , Roboão .

Politicamente o reinado de Roboão ( 931-913)foi um desastre . Além de perder

as tribos do Norte ele também perdeu o poder sobre os reinos vassalos de Amon , Moabe e Edom . Judá

sofreu uma invasão do Faraó Shishak que invadiu Jerusalém levando o ouro do templo além de destruir o

porto importante de Ezion-Geber . Moralmente o declino foi o mesmo com a adoração de deuses

estrangeiros crescendo , incluindo a prostituição cultual do culto a Astarte .

O neto de Roboão , Asa (911-870) buscou reconstruir o reino de Judá . Ele

reprimiu todas as formas de idolatria , negando a sua mãe Maaca o status de rainha mãe por sua idolatria .

Sabiamente conseguiu evitar uma invasão de uma aliança entre a Síria e Israel subornando o rei de Síria

para mudar de lado .

Essa reconstrução foi continuada pelo filho de Asa , Jeosafá (870-848) que

perseguiu uma política de aproximação com a dinastia omrita do norte . Portanto quando Jeú praticou o seu

golpe no reino do Norte ele assassionou o rei Judaíta da época : Ahazias cuja mãe , Atalia ,

assumiu o poder e governou cruelmente tentando instalar o culto a Baal . Atalia foi derrubado num golpe

liderado pelo sacerdote Joiada que instalou o menino Joás como rei .

Tanto Joás quanto o seu filho Amazias morreram assassinados por militares

após derrotas em guerras para a Síria e para Israel respectivamente .

Maior estabilidade foi atingido nos eficientes reinos de Uzzias (781-742) e Jotão

(742-735) que re-estabeleceram a economia de Judá e as suas fronteiras conquistando Edom e cidades da

Filístia . Nisso eles foram favorecidos pelas invasões da Assíria na região da Síria que enfraqueceram um

tradicional inimigo do povo de Israel .

Todavia a situação mudou no reinado de Acaz (735-716), pai de Ezequias . No

início do seu reinado ele enfrentou uma aliança do rei de Israel , Peca com o rei de Damasco , Rezin , que

queriam derrubar-lo do poder para colocar outro rei em Judá que apoiaria uma aliança anti-assíria . O

conselho do profeta Isaías foi bem claro como indica Isaías 7:1-7

Sucedeu, pois, nos dias de Acaz, filho de Jotão, filho de Uzias, rei de Judá, que Rezim, rei da Síria, e Peca, filho de Remalias, rei de Israel, subiram a Jerusalém, para pelejarem contra ela, mas não a puderam conquistar. Quando deram aviso à casa de Davi, dizendo: A Síria fez aliança com Efraim; ficou agitado o coração de Acaz, e o coração do seu povo, como se agitam as árvores do bosque à força do vento.

Então disse o Senhor a Isaías: saí agora, tu e teu filho Sear-Jasube, ao encontro de Acaz, ao fim do aqueduto da piscina superior, na estrada do campo do lavandeiro, e dize-lhe: Acautela-te e aquieta-te; não temas, nem te desfaleça o coração por causa destes dois pedaços de tições fumegantes; por causa do ardor da ira de Rezim e da Síria, e do filho de Remalias. Porquanto a Síria maquinou o mal contra ti, com Efraim e com o filho de Remalias, dizendo: Subamos contra Judá, e amedrontemo-lo, e demos sobre ele, tomando-o para nós, e façamos reinar no meio dele o filho de Tabeel. Assim diz o Senhor Deus: Isto não subsistirá, nem tampouco acontecerá.

Infelizmente Acaz rejeitou esse conselho e pediu ajuda ao rei assírio Tiglate-Pileser III .Dessa maneira Judá

foi colocado no primeiro estágio de vassalagem , expresso no fato de um altar assírio ser colocado no

templo .

Durante o reinado de Acaz a idolatria proliferou no reino de Judá , sendo que o próprio

rei é acusado pelo historiador de Reis de ter queimado o seu próprio filho como sacrifício a Moloque .

Todavia um ponto positivo de Acaz foi que ele não rebelou contra a Assíria , pois tal atitude levou à

destruição do reino de Israel em 721 .

 

5.0 O Reinado de Ezequias até a revolta contra o império Assírio

Segundo o historiador de Reis , Ezequias:

fez o que era reto aos olhos do Senhor, conforme tudo o que fizera Davi, seu pai.

Durante o seu governo Ezequias promoveu uma política religiosa e nacionalista . Buscou re-estabelecer o

Iavismo como única religião em Judá e gradativamente tornar o país independente da Assíria . Tal política

culminou na desastrosa rebelião , condenada pelo profeta Isaías , contra Senaqueribe em 705 . As razões

que permitiram a Ezequias promover essa reforma foram as seguintes :

  1. Patriotismo . Segundo Bright o desejo de um povo "orgulhoso pela independência" contribuiria
  2. muito para o sentimento de reforma .

  3. Desgosto com a idolatria promovida por Acaz . Os influentes elementos Iavistas em Judá com
  4. certeza ficaram desgostosos com a idolatria existente na nação . Fortalecidos pela mensagem

    profética de que o reino do Norte teria sido destruído pela sua infidelidade a Iavé , tais grupos

    apontariam a idolatria em Judá como causa de sua subjugação à Assíria .

  5. Teologia do Pacto Real . Em Judá havia uma corrente teológica , expressa em Salmos como
  6. Salmos 2 , que afirmava que Deus havia escolhido a dinastia de Davi para reinar eternamente em

    Sião e que tal dinastia seria capaz de derrotar todos os seus inimigos .

  7. Oráculos proféticos como Miquéias 5:2-6 que idealizavam um rei da dinastia de Davi capaz de
  8. salvar o povo de Israel.

  9. Ausência de qualquer campanha assíria na Palestina após 721 . O imperador Sargom II teve que
  10. enfrentar rebeliões na Babilônia , que conseguiu sua independência sobre Merodac-baladan por 12

    anos , Carquemis , Uruartu e entre os príncipes medas . A ausência militar durante esse período

    surgia como uma tentação para movimentos de independência .

  11. Domínio do imperador etíope Piankhi , sobre o Egito e a unificação desse país . Com o

fortalecimento do Egito esse país surgia como um aliado potencial para estados vassalos desejosos de independência .

6.0 Características da Reforma de Ezequias

 

6.1 Reforma Religiosa

Segundo o historiador de Reis , na sua reforma Ezequias :

Tirou os altos, quebrou as colunas, e deitou abaixo a Asera; e despedaçou a serpente de bronze que Moisés fizera (porquanto até aquele dia os filhos de Israel lhe queimavam incenso), e chamou-lhe Neüstã.

Segundo os seguidores de Julius Wellhausen nós não devíamos dar muita

credibilidade à veracidade dessa reforma . Segundo Donner :

"É plausível suspeitar que os deuteronomistas tenham medido Ezequias por Josias e o transformado numa espécie de ‘pré reformador’"

Portanto para Donner muitos dos elementos da reforma de Josias foram

erroneamente atribuídos a Ezequias pelos redatores deuteronomistas do livro de Reis . Para Donner apenas

a tradição a respeito da serpente é genuína . Todavia tal posição tem as seguintes fraquezas

  1. Depende da existência de redatores deuteronomistas e uma tremenda liberdade deles para com as
  2. suas fontes escritas , dois fatores extremamente difíceis de serem comprovados .

  3. A tradição a respeito da política religiosa de Ezequias é coerente com a sua política nacionalista ,
  4. numa época em que política e religião caminhavam juntos .

  5. A política religiosa de Ezequias explicaria a razão da proximidade do profeta Isaías do rei apesar

das duras críticas do profeta à política nacionalista do rei .

Portanto aceitando a genuidade da reforma de Ezequias percebemos que ela teve

três aspectos :

(i)Destruição dos altos . Esses eram os altares locais em que Iavé era adorado . Autores explicam a decisão

de Ezequias pelo aspecto religioso ou político . Para Douglas haviam dois tipos de altos , os altares

idólatras em que um culto sincrístico era praticado e os locais de adoração exclusiva a Iavé ,a decisão de

Ezequias estava baseado no fato de o Templo ser o único local legítimo de sacrifício . Beswick &

Chapman aceitam essa tese mas defendem que a dinastia davídica tinha outros interesses em centralisar o

culto em Jerusalém : deter o controle sobre os recursos econômicos envolvidos no culto em Jerusalém .

(ii)Destruição das colunas . Esses eram monumentos dedicados pelos cananeus às diversas deidades em

especial a Baal .

(iii)Deitou abaixo a Asera . Outras tradições referem ao "poste-idolo." Esse teria sido uma imagem de

madeira , representando a Deusa Asera , consorte de Baal , e que estava sendo venerado pelos judaítas .

(iv)Destruição da serpente de bronze que era venerada . Segundo o trecho bíblico e apoiado por estudiosos

conservadores ( e.g Mesquita) essa seria a serpente de bronze criada por Moisés e que havia sido

transformada em objeto de veneração . Tanto Douglas e o Comentário Bíblico Broadman enfatizam que

ocorre no trecho de Reis um trocadilho entre a palavra nahash ( serpente) e a palavra nehosheth (bronze) .

Ë incerto se o significado do texto era que a serpente recebera o nome cultual Nehushtan ou se Ezequias

desmistificou a serpente dizendo que ela era apenas Nehushtan i.é. bronze . Como seria de esperar Donner

adota uma posição diferente , defendendo que a serpente seria uma deidade dos jebuseus , antigos

moradores da cidade de Jerusalém e que esse teria sido "sofrivelmente javeisado" . Todavia a teoria de

Donner é insatisfatória pois ela não oferece nenhuma explicação sobre como um ídolo estrangeiro seria

atribuído a Moisés e nem quais os motivos para terem ocorrido tais fatos .

(v)Segundo o Livro de Crônicas a política religiosa de Ezequias envolvia também a restauração da

celebração da páscoa , apesar de muitos liberais considerarem esse fato como tendo ocorrido somente no

reino de Josias .

Portanto podemos perceber Ezequias buscando uma religião iavista purificada ,

sem nenhuma contaminação estrangeira .

 

6.2 Política Nacionalista

Como parte de sua tentativa de afirmar a independência de Judá Ezequias

aproveitou a ausência do exército assírio para tentar estender o poder de Judá .

Segundo o livro de Reis , Ezequias atacou os filisteus e os derrotou , cercando

até a poderosa cidade de Gaza. Segundo o livro de Crônicas Ezequias teria tentado involver os

remanescentes das tribos do Norte na sua celebração da páscoa , mas tal oferta foi rejeitada .

7.0 A Primeira Tentação para a revolta

 

Em 714 a Palestina vivia ares de revolução . O Egito , sob a liderança energética

do Faraó Etíope da vigésima-quinta dinastia , Piankhi, incentivava os vassalos assírios a se rebelarem . Esse

incentivo foi atendido pelos povos filisteus . Na cidade-reino de Asdode a população tirou o rei-vassalo do

poder e colocou no seu lugar um rei , definido por Bright como um "aventureiro estrangeiro", que

recusou a pagar tributo à Assiria .Outras cidades filisteus aderiram à revolta e Judá , Moabe e Edom foram

convidados .

Aparentemente em Judá a opinião estava dividida . Provavelmente havia um

partido pró-egípcio que buscava uma revolta contra a Assíria . Nesse momento perigoso quem salva a

nação é Isaías , provavelmente o maior estadista da história de Israel . Ele denúncia a loucura de qualquer

aliança anti-assíria .Quando Ezequias recebeu mensageiros do Faraó Isaías afirmou :

Ai da terra do roçar das asas, que está além dos rios da Etiópia; que envia embaixadores por mar em navios de junco sobre as águas

Tal era o desespero de Isaías que ele até andou nu durante um período de três

anos , desde o início da revolta até a sua supressão , para enfatizar a loucura de qualquer associação de

Judá com a revolta .

Ao analisarmos a atitude de Isaías devemos levar em consideração tanto a sua

sagacidade política quanto o lado teológico. Politicamente Isaías era um grande analista , e percebeu que o

Egito não tinha condições de resistir ao poder assírio . Teologicamente Isaías interpretava o domínio

assírio como consequência do pecado do povo de Israel . Como essa dominação era da vontade de Iavé ,

Judá deveria esperar em Iavé a sua libertação , qualquer política de aliança seria na realidade uma forma de

idolatria , a rejeição de Iavé por um outro poder .

Aparentemente dessa vez a visão de Isaías prevaleceu . Quando Sargão II desceu

irado sobre os povos revoltosos Judá foi poupado . Asdode foi duramente derrotado e transformado numa

província assíria , i.é levado ao terceiro estágio de vassalagem .A ajuda egípcia nunca apareceu , de fato

quando o rei de Asdode buscou refúgio no Egito o Faraó o entregou nas mãos dos assírios .

Portanto Isaías permitiu a salvação do reino de Judá . Todavia uma das grandes

lições da história é que dificelmente os homens aprendem as lições que a história tem para dar . Dias

sombrios estavam esperando Ezequias e o seu povo .

8.0 Ezequias se revolta

Infelizmente em 705 a tentação para a revolta tornou-se grande demais para

Ezequias . Sargõm II morrera ao tentar suprimir uma revolta em Tabal e foi enterrado longe da sua terra .

Muitos julgaram oportuno esse momento para tentarem derrubarem o domínio Assírio . Na Babilônia

Merodaque-Baladã revoltou-se contra os assírios e se estabeleceu como rei com apoio Elamita em 703

durando meses no poder antes de ser derrubado por Senaqueribe . Provavelmente a passagem de 2 Reis

20:12-19 deve ser situado nesse contexto , na qual Merodaque-Baladã estaria buscando o apoio de

Ezequias numa aliança contra a Assíria . Deste modo as palavras de Isaías no versículos 17-18:

Eis que vêm dias em que será levado para a Babilônia tudo quanto houver em minha casa, bem como o que os teus pais entesouraram até o dia de hoje; não ficará coisa alguma, diz o Senhor.E até mesmo alguns de teus filhos, que procederem de ti, e que tu gerares, levarão; e eles serão eunucos no paço do rei de Babilônia.

Devem ser interpretadas como parte do alerta de Isaías contra qualquer aliança com os babilônios .

Todavia dessa vez Ezequias não resistiu e dessa vez juntou-se a uma coalizão

anti-assíria da qual participaram o rei de Tiro , várias cidades Fenícias e os reinos de Askelon e Ekron .

Novamente havia a esperança de ajuda egípcia sob o energético faraó etíope Shabaca . Novamente Isaías

clama contra a loucura de tal revolta , afirmando que ao procurar a ajuda dos egípcios o povo de Judá

estava pecando e que o Egito seria incapaz de salvar a nação de Judá :

Ai dos filhos rebeldes, diz o Senhor, que tomam conselho, mas não de mim; e que fazem aliança, mas não pelo meu espírito, para acrescentarem pecado a pecado; que se põem a caminho para descer ao Egito, sem pedirem o meu conselho; para se fortificarem com a força de Faraó, e para confiarem na sombra do Egito!

Portanto, a força de Faraó se vos tornará em vergonha, e a confiança na sombra do Egito em confusão.

Pois embora os seus oficiais estejam em Zoã, e os seus embaixadores cheguem a Hanes, eles se envergonharão de um povo que de nada lhes servirá, nem de ajuda, nem de proveito, porém de vergonha como também de opróbrio.

Oráculo contra a Besta do Sul. Através da terra de aflição e de angústia, de onde vem a leoa e o leão, o basilisco, a áspide e a serpente voadora, levam às costas de jumentinhos as suas riquezas, e sobre as corcovas de camelos os seus tesouros, a um povo que de nada lhes aproveitará.

Pois o Egito os ajuda em vão, e para nenhum fim; pelo que lhe tenho chamado Raabe que não se move.

Porém dessa vez os conselhos de Isaías foram dados em vão , pois Ezequias não

só participou da revolta como também tornou-se um dos principais líderes da revolta . Esse fato é

compravado pela afirmação de Senequeribe de que quando o rei Padi de Ekron recusou a participar da

revolta "Os governadores , os nobres , e os habitantes" o depuseram e o entregaram a Ezequias para o

manter prisioneiro em Jerusalém .

Desse modo Ezequias começou a se preparar para a reação assíria . Ele

fortificou as suas defesas e construiu o famoso túnel de Siloé que traziam as àguas da fonte de Gihon para

dentro das muralhas de Jerusalém . A revolta aberta foi declarada quando Ezequias reteve o tributo que

devia a Senaqueribe .

A ira de Senaqueribe não demorou para descer sobre os revoltosos .

Primeiramente ele desceu sob Tiro , cujo rei foi obrigado a fugir para Chipre , e colocou um rei que fosse

fiel a ele . Com isso os reis de Byblos , Arvade , Asdode , Moabe , Edom e Ammon apressaram-se para

entregar tributo a Senequeribe.

A veracidade dos avisos de Isaías sobre a inutilidade de apelar ao Egito foram

confirmados quando um exército egípcio foi derrotado próximo de Ekrom . A partir disso ele passou a

conquistar Ekrom e outras cidades revoltosas .

Quanto a Judá e Ezequias , Senequeribe mesmo narra :

"sitiei e conquistei 46 cidades que lhe pertenciam ...fiz sair delas e contei como despojo 200.150 pessoas

quanto a ele , encerrei-o em Jerusalém , sua cidade real como um pássaro numa gaiola …cortei do seu país as cidades pelas quais havia incursionado e as dei a Mitini , rei de Asdode , a Padi rei de Ekrom , e a Cilbel , rei de Gaza."

Tal situação é confirmada por Isaías , que afirma :

O vosso país está assolado; as vossas cidades abrasadas pelo fogo; a vossa terra os estranhos a devoram em vossa presença, e está devastada, como por uma pilhagem de estrangeiros. E a filha de Sião é deixada como a cabana na vinha, como a choupana no pepinal, como cidade sitiada. Se o Senhor dos exércitos não nos deixara alguns sobreviventes, já como Sodoma seríamos, e semelhantes a Gomorra.

A situação de Ezequias estava desesperadora . Sem aliados e sem saída ele foi

aconselhado pelo próprio profeta Isaías a se entregar conforme Isaías 1:5

Por que seríeis ainda castigados, que persistis na rebeldia?

O conselho de Isaías foi seguido e Ezequias buscou ter paz com Senaqueribe

enquanto esse sitiava o forte de Laquis .Todavia os termos exigidos pelo rei Assírio foram pesados ,

segundo o texto bíblico Senaqueribe exigiu dez mil quilos de prata e mil quilos de ouro .Senaqueribe

afirma ter recebido além do tributo as concubinas de Ezequias e cantores ou cantoras . Porém como

argumentam Beswick & Chapman é bem provável que Senaqueribe estivesse exagerando .

Até agora a nossa análise tem se dedicado à area de consenso histórico , com a

exceção de detalhes pequenos , porém precisaremos adentrar num assunto mais polêmico : o que aconteceu

com a cidade de Jerusalém . E para isso precisaremos dedicar um capítulo separado .

9.0 O Destino da cidade de Jerusalém

Segundo o trecho bíblico :

Foi nesse tempo que Ezequias, rei de Judá, cortou das portas do templo do Senhor, e dos umbrais, o ouro de que ele mesmo os cobrira, e o deu ao rei da Assíria. Contudo este enviou de Laquis Tartã, Rabe-Sáris e Rabsaqué, com um grande exército, ao rei Ezequias, a Jerusalém; e subiram, e vieram a Jerusalém. E, tendo chegado, pararam ao pé do aqueduto da piscina superior, que está junto ao caminho do campo do lavandeiro.

Todavia esse exército não teve sucesso porque conforme profetizado por Isaías

Deus salvou a cidade de uma forma miraculosa pois :

Sucedeu, pois, que naquela mesma noite saiu o anjo do Senhor, e feriu no arraial dos assírios a cento e oitenta e cinco mil deles: e, levantando-se os assírios pela manhã cedo, eis que aqueles eram todos cadáveres.

O texto bíblico narra como então Senaqueribe voltou para Nínive e nunca mais

voltou para importunar Judá até o dia de seu assassinato na mão de dois filhos seus . Todavia a

interpretação desse texto tem sido dividido em três correntes principais .

  1. O ataque a Jerusalém nunca aconteceu e a história da libertação miraculosa é apenas uma lenda .

Tal é a posição adotada por Gottwald que afirma que tal história é a consequência de um :

"esforço feito posteriormente , mas com efeito retroativo para entender o que era uma política assíria lógica de severidade e clemência combinadas para um estado vassalo palestinense …"

Porém tal visão é insustentável pelas seguintes razões

salvação miraculosa de Jerusalém . Como acontece muitas vezes nas análises feitas por liberais eles não

conseguem mostrar o mecanismo pela qual uma suposa origem de uma lenda resulta na formação dessa

lenda .

países revoltosos do primeiro estágio de vassalagem para o segundo , como aconteceu no caso do rei de

Tiro .O fato de Senaqueribe ter reduzido o território de Ezequias sugere que ele intencionava tomar essa

medida .

com a qual o profeta Jeremias teve que contender, e que ela o conceito teológico que dominava a época de

Jeremias . Lemos em Jeremias 7:4 o seu alerta :

Não vos fieis em palavras falsas, dizendo: Templo do Senhor, templo do Senhor, templo do Senhor são estes.

Na época de Jeremias havia profetas afirmando que a cidade seria salva pela presença do templo na

cidade . A força de tal teologia estava no fato dela se apoiar num evento histórico do povo de Judá , a

libertação da cidade de Jerusalém na época de Ezequias e o papel de Isaías nessa história . Dizer que a

teologia toda se baseiava numa lenda sobre algo acontecido a menos de 150 anos é demonstrar um

ceticismo exagerado perante as fontes bíblicas , e completamente inadequado do ponto de vista histórico .

sido preservados por sua comunidade de discípulos . Por qual razão os discípulos teriam preservados

oráculos errôneos de Isaías ?

(ii) O ataque a Jerusalém ocorreu como um ato traiçoeiro de Senaqueribe .

Essa é a teoria preferida por comentaristas conservadores . Nessa visão segue-se o relato

bíblico na sua sequência mais lógica . Depois de ter recebido tributo de Ezequias Senaqueribe decide

destruir a monarquia davida , e provavelmente o reino de Judá . Manda o seu exército sob o comando de

três oficiais : Laquis Tartã , Rabe-Sáris e Rabsaqué,sendo que esse último se destaca pelo seu discurso à

porta da cidade de Jerusalém , buscando convencer o povo a abandonar o Rei Ezequias e se entregar ao rei

da Assíria , pois o Deus de Judá seria incapaz de salvar a sua cidade .

Nesse momento de desespero Ezequias apela desasperadamente a Isaías , que

supreendentemente , considerando a sua atitude anterior , afirma que esse não precisa temer os Assírios

porque Deus mesmo protegeria a cidade , o que aconteceu com a intervenção miraculosa do anjo do

Senhor.

(iii) O ataque de Senaqueribe a Jerusalém ocorreu , separada da campanha na qual Ezequias pagara tributo.

Algums estudiosos como Albright e Bright , convencidos da veracidade do livramento

de Jerusalém não acreditam que esse possa ter acontecido na mesma campanha que resultou no pagamento

de tributo . Entre as razões usadas para defender essa tese estão as seguintes :

anos de idade em 701 .

Senaqueribe

receber ajuda egípcia sendo que já no início de sua campanha de 701 Senaqueribe havia derrotado os

egípcios .

-Guardou-se uma profecia de Isaías afirmando que Senaqueribe não chegaria à cidade de Jerusalém e nem a

atacaria . Todavia nos seus anais Senaqueribe afirma ter sitiado Jerusalém em 701 e obrigado Ezequias a

se render .

apenas em 681 .

de sua obra , quando ele considera que a Assíria já ultrapassou os limites dados por Deus , na sua crueldade

e violência e portanto seria condenado por Deus .

Na reconstrução feita por Bright Senaqueribe teria voltado a sua terra após

receber o tributo de Ezequias e reduzir o seu território . Todavia em 691 após uma derrota de Senaqueribe

frente a uma aliança anti-assíria liderada pelos babilônios e elamitas e com o surgimento do energético

Tiraca no Egito Ezequias teria revoltado se novamente buscando recuperar o território perdido .

Porém em 689 Senaqueribe derrotou os seus inimigos e em 688 começou uma

marcha vitoriosa sobre Judá . Por enfrentar a ameaça de um exército liderado por Tiraca ele manda

Rabsaqué para tentar intimidar Ezequias a se render o mais rápido possível . Porém Ezequias , apoiado pelo

ancião Isaías , prefere morrer defendendo Jerusalém , do que entregar a nação ao terceiro estágio de

vassalagem. Senaqueribe teria derrotado Tiraca mas misteriosamente voltado a sua terra sem atacar

Jerusalém .

Jerusalém estava segura mas Judá não estava livre . O fato de Senaqueribe não

marchar novamente sobre a nação é explicada pela morte de Ezequias no ano seguinte e o fato de seu filho

Manassés desistir de qualquer rebelião e permanecer como um vassalo fiel da Assíria .

Devemos considerar tal teoria como um meio genial para tentar superar as

dificuldades do texto bíblico .Ela tem atraído o apoio até mesmo de autores conservadores como Samuel

Shultz.Porém , na ausência de qualquer comprovação histórica mais forte ela nunca

deixará de ser apenas uma teoria , defendida por uma minoria reputável de estudiosos .

10.0 O Livramento Miraculoso da Cidade de Jerusalém

Alguns argumentam contra o livramento miraculoso de Jerusalém alegando não

haver nenhum registro nos anais assírios a respeito disso . Em resposta deve ser dito que os anais assírios

eram anais oficiais , e os reis assírios , como são a maioria dos políticos , eram reticentes em falar das suas

derrotas .

Dentro da tradiçào bíblica duas são as explicações para o livramento de

Jerusalém . Em II Reis 19:7 lemos o profeta Isaías afirmar :

Eis que meterei nele um espírito, e ele ouvirá uma nova, e voltará para a sua terra; e à espada o farei cair na sua terra.

Nesse caso Senaqueribe voltou para conter uma revolta em outra parte do seu

território . Porém II Reis 19:35 afirma que :

Sucedeu, pois, que naquela mesma noite saiu o anjo do Senhor, e feriu no arraial dos assírios a cento e oitenta e cinco mil deles: e, levantando-se os assírios pela manhã cedo, eis que aqueles eram todos cadáveres.

Portanto Jerusalém teria sido livrado por uma interferência miraculosa do anjo

do Senhor levando a morte de 185,000 soldados assírios .

Naturalmente não existe contradição entre as duas tradições , e provavelmente

Senaqueribe tenha voltado a sua terra devido a morte de seus soldados e ameaças mais sérias do que

Ezequias em outras partes .

Alguns tem tentado explicar a morte dos soldados de Senaqueribe alegando que

eles teriam sido contaminados por algum tipo de peste durante o cerco de Laquis , possivelmente pela

presença de ratos . Porém não temos como comprovar tais idéias e a narrativa bíblica é contundente em

afirmar que a salvação do povo veio por interferência direta de Deus .

11.0 Consequências da Revolta de Ezequias

 

 

Foram as seguintes as consequências da revolta de Ezequias :

  1. Redução do território de Judá . Existe dúvida sobre a extensão dessa redução de território .
  2. Segundo Donner Ezequias foi reduzido a ser rei sobre a cidade-estado de Jerusalém enquanto que o resto

    do território foi dado aos seus inimigos . Todavia nem Senaqueribe é tão radical nos seus comentários

    afirmando que ele tirou de Ezequias as cidades que ele havia "incursionado" , sem fazer menção de reduzir

    o território de Ezequias a Jerusalém e adjacências .

  3. Vassalagem fiel de Judá até o fim do Império Assírio . A única exceção pode ser Manassés , filho
  4. de Ezequias que segundo II Crônicas 33:10-13 foi deportado durante algum tempo à Babilônia . Douglas

    sugere que isso pode ser consequência de sua adesão a uma revolta liderada por Shamasi-shum-ukin,

    vice-rei da Babilônia . Todavia no texto não existe nenhuma menção explícita a revolta , e o fato de

    Manassés ter voltado a ser rei novamente de Judá sugere que a invasão assíria tenha ocorrida por outra

    razão . De qualquer modo em termos gerais até a queda do império assírio os reis de Judá evitaram seguir o

    exemplo de Ezequias .

  5. Preservação das profecias cumpridas de Isaías . Nesse episódio todo quem saí como figura
  6. principal é o profeta de Isaías . Seria necessário outra monografia para analisar profundamente o papel de

    Isaías nesse processo mas ele transparece como estadista mais sábio do que Ezequias . Ele mostra uma

    sintonia com a vontade de Deus que não foi compreendido pelos seus contemporâneos e tão pouco é

    compreendido por historiadores mais céticos . As suas profecias a respeito da preservação de Jerusalém

    autentificaram a sua mensagem para a posterioridade .

  7. Desenvolvimento da teologia da preservação de Jerusalém devido à presença do templo do

Senhor.De fato Isaías não afirma que Deus salvará a cidade por causa do templo mas por :

por amor de mim e por amor do meu servo Davi.

Porém o templo era visto como símbolo da presença de Deus na cidade e portanto podemos

visualizar como na mentalidade do povo o templo passou a representar o fato de que a cidade de

Jerusalém jamais poderia ser conquistada pelos seus inimigos . Ë contra essa teologia que Jeremias teria

que contender , numa grande ironia , um profeta é buscado a lutar contra uma distorção da teologia de outro

profeta . Outro contemporâneo de Jeremias , Ezequiel , explica a queda de Jerusalém afirmando que a

glória de Deus deixará a cidade devido a imoralidade e a idolatria dos seus moradores .

12.0 Conclusão

Para concluir essa monografia , gostaríamos de indicar três lições que

podem ser tirados do episódio da revolta de Ezequias .

  1. A palavra do verdadeiro profeta prevalece contra a voz do poder .
  2. Mesmo havendo um profundo respeito entre Isaías e Ezequias vemos

    Um forte conflito entre os dois . Ezequias crê ser necessário revoltar-se contra a Assíria , provavelmente

    acreditando que Deus o ajudará .Isaías intepreta a mesma situação como uma loucura , um atentado contra

    a soberania de Deus . Ezequias por ser rei impôs a sua visão , mas viu-se na última hora completamente

    dependente das palavras de Isaías a respeito do destino da cidade de Jerusalém .

    Muitas vezes como cristãos nos vemos tentatados a adequar a nossa

    mensagem para atender a vontade dos ricos , comprometer a nossa mensagem com os poderosos . A

    Teologia da Prosperidade surge como uma maneira de justificar os privilégios de alguns nas igrejas

    enquanto outros passam dificuldades , uma forma de aliviar a consciência de evangélicos que não tem sido

    cristãos em sua ética .

    Nós porém devemos manter a nossa fidelidade à palavra de Deus .

    Devemos preservar a soberania de Deus na nossa forma de interpretar tanto a palavra quanto a realidade .

  3. O verdadeiro profeta permanece atento à vontade de Deus .
  4. Nesse episódio Isaías supreende pelas suas posições . Quando

    esperamos que ele apoie um rei fiel a Deus contra o poder pagão da Assíra ele denuncia qualquer revolta

    como rebeldia perante a vontade de Deus . Quando esperamos que Isaías abandone Ezequias por

    continuamente ter ignorado as suas palavras , Isaías afirma que Deus protegerá Jerusalém dos assírios .

    Percebemos que Isaías não tinha uma mensagem padrão para cada situação , mas estava atento para a

    vontade de Deus em cada situação .

    Da mesma maneira nós não devemos manter uma mensagem padrão ,

    mas devemos , guardando a fidelidade à palavra de Deus , oramos e estarmos atento à vontade de Deus em

    aplicar a sua mensagem da maneira apropriada em cada situação .

  5. Necessidade de nos mantermos fiéis a Deus na totalidade da nossa vida .

Não há porque duvidarmos da genuidade da fé de Ezequias em Deus ,

conforme expressa na sua reforma religiosa . Porém em uma àrea de sua vida ele não quis submeter-se à

palavra de Deus transmitida pelo seu profeta Isaías : a sua política internacional , e desse modo foi levado à

beira da ruína .

Do mesmo modo muitas vezes enfrentamos dificuldades nas nossas

vidas pois não submetemos cada àrea da nossa vida a Deus . Que desse trabalho possamos tirar a lição de

colocarmos as nossas vidas integralmente nas mãos de Deus .

13.0 Bibliografia

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DONNER , Herbert História de Israel e dos povos vizinhos Volume II Editoras Sinodal e Vozes , 1997.

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MESQUITA , Antônio Neves de Estudo nos Livros dos Reis . JUERP , 1983 .

DOWLEY , Tim Atlas Vida Nova da Bíblia e da História do Cristianismo Editora Vida Nova , 1997.

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ALLER , Clifton J Comentário Bíblico Broadman Volume 3 JUERP , 1986.

SMITH , George The Book of the Prophet Isaiah Volume 2 Hodder & Stoughton , 1969